20111221

cat-jazz

poema_ de Fiama Hasse P. Brandão

Estar sobre a relva
a pequena distância
da matéria.
Um fabulista pode como eu seguir
as pisadas de todos os seres abstractos.
A terra queima-se incessantemente
é uma fênix,
no interior onde receamos
ser abandonados.
Ninguém, nem radamanto, está deveras morto,
quando passo entre
termos de comparação
clássicos,
uma vez que desço.
Misturo o reflexo de uma mão de folha
com o da minha mão
carnal. A facilidade com que o mundo se assemelha
às descrições de um relvado. Como a crosta
se rompe
e de uma fina nervura resvalo para a reflexão.

Como é involuntária a visão da terra verde.
E é a vontade que aprisiona a mão
esquiva
desprendendo-a dos seus dedos. Nem pelo tacto me aproximo
da bem-aventurança. Dou à perdição absoluta o poema.

Passou a haver o silêncio nas linhas do léxico.
Mas uma lâmina range. Do período de uma haste
metaforizada
que me sangra. Mesmo a garganta que assenta sobre
as cavidades
do chão não pronunciou palavras.

As que foram abafadas pelo rumor da matéria seca
de algumas folhes. Poucas palavras estavam junto de suas
formas concretas,
poucos sinais se tomavam indecifráveis para sempre.





ps. a diagramação e o espaçamento dos versos não correspondem ao original, que formam um jogo de leveza e vento pelo poema. isso é por conta da formatação do próprio blog, uma força chatamente invencível, mas vamos lá.

20111216

trecho de PARTIDA

(...)
a aparição de guerrilhas, o mundaréu de espelhos, reflexivo abuso dentro dos acordes
quebram a alta engrenagem, tragam até agora aqui Roberto Piva
tremem, tremem demais, o verbo a mão aquela artéria oscila, faz frio ainda, ali e é quente a fotografia
é a praia simultaneamente eterna, eterna, fosca, feita em polaróide para que deguste


o relógio deixado a brio numa parede demolida quase na noite, a paisagem crisálida da partida







imagino que Nova Iorque


um cargueiro


cheio de morte

ou uma fotografia

que desbotasse qualquer adiado
o rosto da partida


(...)

o poeta em nova iorque

no
i'm not sad

i'm just

normal

20111114

blague com datas, achei propício: Roberta Ferraz: porta-setas | autobiografismo para uso institucional

I.



FERRAZ, 1992, praia, alguma areia – pedras – assinaladas para o fogo. Marcação. Serragem. 1997, desidratações. 1999, começa o livro do contágio, ainda bambus-para-pularem-crianças. Mão de homem velho e carioca, mão de homem baiano. Entrega ociosa para Lygia, que não se lembrará, assim se espera, lembrará o fogo. 2000, começa o desfiladeiro (ainda sem), caminhada em tarde no interior e a erupção de Nódulos do Balaústre. Continuidade. Um outro homem mago. Astrologias, campus, afogamentos. Sem previsão de restauro. Uma vida em santos. Teatro, montagem da Santíssima Trindade, com o coração materno de Anna C. Leveduras, daí poemas. Picada de aranha no braço esquerdo. Começa a perder anéis. 2003, fuga para o Egito e frustrações pseudo-místicas. Tampão no ouvido. Exorcismos. 1986, porque acabaram os doces da bela adormecida, foi brincar com os meninos. Ou seja: deixou-se ser arrastada por uma camionete, segurando o pára-choque com as mãos sem luvinhas. 1985, descobriu em si mesma a volubilidade fictícia, ou a exímia capacidade de mentir. Começou a sofrer. Não se sabe se é conseqüência. Provavelmente não. Parou de sofrer. 1989, fez um círculo de saliva chamado circuito, o que realçou a vocação de ocultar-se. Nessa altura, quase-uma-mística. 2010, ficou séria por uma semana. 1994, lapidou o conceito de culpa numa tarde chuvosa, depois correu do banheiro e quebrou a perna ou o tornozelo. Sofrimento estético, performances. Alta erudição. Fingia que cantava as musiquinhas de Jesus. 1994, primeiro contato com a morte. 2008, num ato heróico de obscuro encanto, pôs no mar todas as enciclopédias do sótão de sua casa. Quebrou o espelho e teve sorte com isso. 2010, começa e conclui o fio, fenda, falésia com EZ e RH. Viajou demasiado de avião. Fez conspirações com outros seres decaídos. Ficou infensa à velhice. 2009, deixa em papel o lacrimatórios, enócoas como certidão de casamento. 2010, continua o livro do contágio. 2010, tem vontade de dizer outra vez, de outro modo: recebe o lastro marítimo com a gaivota Érica Zíngano e a pedra-pome de Renata Huber, o livro fio, fenda, falésia – que abre sonhos surrealistas. Lança o livro em dia sonoro de 8 de dezembro, às 19h30, exato sol-poente de horas de verão. 2011, pensa que pode virar cantora caso a casa caia, caso a casa caia. 1989, é infeliz por ter uma mãe loura, e não poder ser cantora. 1990, dá estupendas reviravoltas nestas bobagens todas, descobre um outro nome para o cabelo louro da mãe. Pega uma boneca e mistura com sangue de gato. Todos que passam por seu caminho agradecem o servir basco da menina, coisa de retortas, desenganada. 2004, começa a pensar na saga familiar, começa a dar número para os livros. Fica um pouco idiota, um pouco mais. Escreve a árvore genealógica de Evana Komaris, mas isso não significa quase nada. Ainda. 2010, tem um sonho que uma benzedeira interpreta como psicomagia. Pensa em retomar as linhas tortas do romance-saga-familiar-inchaço. 2011, só uma viagem de barco ou caravela, a Portugal, para desentupir essa labareda da saudade. 2011, se lembra em março que, no último passo de Saturno, parou por vez de respirar, até apanhar do pai, e assim, voltar à vida. 2011, pensa de quem é que apanhará, desta vez. [fim de citação]




ps. texto publicado na revista portuguesa PIOLHO 005 - www.edicoes-mortas.blogspot.com


20111104

massao yamamoto






























deslumbrante fotógrafo japonês, em exposição na galeria marcelo guarnieri, em Ribeirão Preto

20111028

revista dEsEnrEdoS | tradução de poemas de Anne Carson

anne carson





saiu, na última edição da dEsEnrEdoS, três poemas da poeta canadense Anne Carson que traduzi, de seu livro the beauty of the husband. Anne Carson arrebatou-me, grata que sou ao Guilherme Coube que um dia me chegou: "Você ainda não conhece a Anne Carson...????" e pronto, tiro certo, caçada exitante, cá estou. Sigo traduzindo, arrebanhei tudo que encontrei dela, sigo traduzindo, o humor ferino, a língua que se abre em duas com ferrão no meio, aquela agulha fina no miasma da coluna, sabe como é? A beleza do marido é um livro que se diz 'um ensaio ficcional em 29 tangos'. No tango, dizem, a mulher obedece. Não só no tango. Não só. Mas ali, dizem, no tango, se a mulher se pensa menos que rendida, meu bem, tropeça e quebra. E se bobear, apanha. Do chão. E lá deitada, como sempre deitada, até à morte deitada, ela contempla, muda, como é incrível, inebriante a beleza do marido.










A BELEZA DO MARIDO



um ensaio ficcional em 29 tangos



ANNE CARSON


Trad. Roberta Ferraz



I. DEDICO ESTE LIVRO A KEATS (FOI VOCÊ QUEM ME DISSE QUE KEATS ERA MÉDICO?) NA DEIXA DE QUE
UMA DEDICATÓRIA DEVE SER FALHA SE O LIVRO SE QUER
SOLTO E EM SUA ENTREGA TOTAL À
BELEZA










Uma ferida distribui sua própria luz
diz o cirurgião.




Se todas as lâmpadas da casa se apagassem
você poderia vestir essa ferida
pelo que dela brilha





Doce leitor eu apenas ofereço uma analogia.


Uma lacuna.

“Use lacuna ao invés de foto ou quadro –
um atraso no vidro
ou como você diria um poema em prosa ou escarradeira de prata.”
Então Duchamp
e seu A noiva despida por seus celibatários, mesmo

que se quebrou em oito peças no deslocamento do Brooklyn Museum



para Connecticut (1912).




O que resta em atraso?






Casamento eu acho.


Aquele lugar oscilante como dizia meu marido.
Veja como a palavra
brilha.





III. E FINALMENTE UMA BOA DEDICATÓRIA É INDIRETA



(ÓBVIA, ETC.) COMO SE “LA DONNA È MOBILE”
DE VERDI FOSSE UM POEMA RISCADO NO VIDRO



Sua amante na época – inclusive a própria ideia de ‘amante’ para ele – era francesa.



Seus amigos me contaram que ela não se lavava e que nos bares tendia



a pedir litros de champanhe às suas custas.
Eu posso imaginar como ele deve ter franzido, xingado, suspirado, levantado a mão e
[adorado isso.




Ele me levou a um filme sobre uma livraria em Paris



cujo dono gostava que sua assistente
subisse uma escada para pegar um livro enquanto ele deslizava a mão perna acima.
Apenas isto – uma mão, momentânea. O corar da moça aquece a trama.
Toda vez que ele dizia Vai, acima ela ia.



Como é que as pessoas se apoderam umas das outras ele disse sonhador quando saímos para a rua.
Contusões também o enchiam de curiosidade.


Eu não pude corresponder a essa necessidade,



Parece que ela sim. Falo dos banhos porque isso me intrigou por que é que


nada disso parecia sujo na percepção dele
Nada disso era orgástico para ele,

esse impulso – analítico você poderia dizer, como se descobrindo um novo cristal.
É a inocência apenas um dos disfarces da beleza?
Ele poderia preencher estruturas de
ameaça como luz de um azeite virgem. Eu comecei a entender a natureza
como algo em costura e dentro da qual alguém se precipita, ao escuro.
Sim, estou adiando outra vez.

Vestida com chamas e rolando pelo céu é como me senti na noite em que ele me disse
que tinha uma amante e com orgulho tímido
deslizou a fotografia.

Eu não posso ver o rosto disse com ódio, jogando aquilo abaixo. Ele me olhou.
Estávamos na janela (restaurante) bem acima da rua,
casados há pouco mais de um ano.


Foi rápido, hein? Vai dar uma de esperta disse ele.
Quebrei o vidro e pulei.
Agora você sabe é claro

esta não é a história verdadeira, o que quebrou não foi vidro, o que caiu não foi corpo.
Mas ainda quando lembro da conversa é o que vejo – eu um piloto de caça
resgatado sobre o canal. Eu passível de morte.

Oh não não somos inimigos ele disse. Eu te amo! Eu amo vocês duas!
E não é o Sr. Rochester quem range os dentes e nos diz
em menos de dois minutos com seu deslizante silvo doentio

o ciúme pode corroer as entranhas de tudo, esta fórmula lhe ocorrendo
quando ele se sentou no amílscar e âmbar
de um balcão parisiense
assistindo sua diva chegar nos braços de um estranho cavalheiro?



Continuar humano é romper um limite.



Goste se puder. Goste se ousar.







VI. PARA LIMPARMOS SEUS CASCOS SEGUE UMA DANÇA


EM HOMENAGEM À UVA QUE ATRAVÉS DA HISTÓRIA
É SÍMBOLO DE JÚBILO E ALEGRIA PARA NÃO DIZER
ANALOGIA À NOIVA COMO INTACTA FLORAÇÃO
Cheiro
Eu nunca vou esquecer.
Lá fora atrás do vinhedo.
Casa de pedra talvez um abrigo ou uma geleira já sem uso.
Outubro, friozinho. Feno no chão. Tínhamos ido à fazenda de seu avô para ajudar a

esmagar
as uvas para o vinho.
Você não imagina a sensação se nunca fez
como densos bulbos de um cetim molhado e carmim explodindo sob os pés,
entre os dedos e acima nas pernas braços rosto espirrando toda parte
Aquilo atravessa suas roupas você sabe ele disse enquanto macerava acima e abaixo

na cuba.
Quando você tirar tudo



vai ter suco pra todo lado.



Ele me olhou e disse Vamos ver.



Nua na casa de pedra era verdade, manchas pegajosas, pele, me deitei no feno



e ele lambeu.




Lambeu até sair.



Correu e trouxe mais borras em suas mãos e besuntou



lambendo meus joelhos pescoço umbigo. Colhendo. Mergulhando.



Língua é o cheiro de outubro para mim. Me lembro como é



como se nadasse num rio veloz pois eu continuava mexendo e era difícil me mexer






enquanto ao meu redor
tudo se mexia, aquele cheiro
de terra virada e plantas frias e a noite chegando e
a antiga cuba transpirando lentamente no crepúsculo lá fora e ele,



suco cru nele.



Fios de estame nele



e como disse Kafka no fim


meu esforço era inútil você sabe eu não sei nadar afinal.
Acontece que mais de 90% das uvas cultivadas são castas da


Vitis vinifera
a uva do Velho mundo ou Européia,
enquanto as nativas Americanas derivam


de certa casta selvagem da Vitis e diferem em seu cheiro brejeiro


e também no fato de suas peles se soltarem tão escorregadias da polpa.


Uma uva ideal para o vinho
aquela que é facilmente esmagada.
Coisas que aprendi do avô
quando tarde da noite nos sentamos na cozinha quebrando castanhas.
Também que de maneira alguma eu deveria me casar com o seu neto
a quem ele chamava tragikos um termo rústico que significa tanto trágico como cabra.






ps. clicando na revista, edição bilíngue dos poemas.


ps. deixo registrado aqui o agradecimento sem fim à minha mãe, que muito ajudou na tradução e à linda belosa, que passou a noite saboreando cada uma das ironias do texto, trazendo-o comigo até aqui

20111019

lançamento desfiladeiro e cesura | SP | Casa das Rosas | 14.10.2011



com a querida Valu Oria



com a lindíssima de rosa-choque Ana Rüsche



a bela família da OFICINA RAQUEL, Luis Maffei, Raquel Menezes e Dioniso



casal compenetrado



Marcelo com os queridos Paulo e Cesar





essa é a imagem da saudade, ò renata huber, irmã



sergio chega para abraçar o filho




conosco, o escritor alex castro recebe seus convidados





delícias de companhia: danilo, renan, renata e aninha




marcelo recebe abraço de Fernando




apesar de chuvosa, a noite foi mesmo ardente, solar! Como disse o doctor, 'a gente esquenta rápido'... !

agradeço a todos os que passaram por ali e deixaram conosco o abraço e levaram consigo o corte e o íngreme das páginas

20111018

sequência quase calada | fotonovela do 'desfiladeiro' e 'cesura' (pares constantes) em Ribeirão Preto, indo e vindo, passando por Saturnia

começa-se, assim, lentíssimo, molhado

































































































e fecha-se aqui, no princípio do que-vai-volta, esperas, saturnios