20130401
a carta do mês de abril
saí de um sonho com dragões e com minha mãe aberta e mais um cão (tudo é lua) também aberto, cortados ao meio, passando por cirurgias (no coração?) quando era eu que tinha que passá-las, as cirurgias; minha mãe e o cão abertos, no rancho da fazenda da infância, e meu avô morto estava lá, exatamente como era antes de partir; eu pensava o que é isso de dar o coração a alguém; e que linhagem é essa dos cardíacos; porque eu sabia que meu coração seria dado à minha mãe, ela ficaria com ele, mas ela estava aberta, inteira aberta, e eu estava ainda com o coração em mim, fechado; eram corações duplos-multiplicados? eu minha mãe temos a mesma lua, o mesmo lugar de lua; mas nem sei se eram corações; lembro-me de estar agarrada ao cão, temente, deitada no piso vermelho de pedras, chorando ou orando, não era diferente.
alguém se assustou que eu me apegasse mais ao cão do que à mãe. mas não era diferente, eu sabia, e estranhei que essa obviedade não fosse tão lúcida ou translúcida como soía.
'soía' vem do Camões que passou a semana passada toda comigo. e agora a carta do mês, que continua a noite que o abriu, abril:
mãe?
mãe urânia? venus? uma outra iemanjá? netuna? mãe?
a lua
soberana
e a palavra KAFKA
que tambem leio CANCER
que é mais que doença de células
é mais que alastramento
leio moi
mãe moi
os olhos estão fechados e a distribuição do leite é sem fim
mãe-d'-agua, mãe iara, doce rio, doce foz, escura
que abril venha mês mãe
e o feitiço de ressuscitar sempre uma mãe
com um coração multiplicado
seja o segredo dos dragões, os dois dragões
que comigo nesta noite
na porta em que eu nasci desenharam uma ferradura
mãe é um desperdício de amor, um medo
um nome com que manter a cauda do bicho
dentro da água do corpo, vibrante escama luminosa
abril. que te proteja, mãe nossa.
cuido de nossa mesma lua do aguadeiro
é o que me dá o mês.
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