20130612

girava e descia (e chorava) sobre um fio que era Japão vermelho





 eu estava no meio do caminho
lendo o ciclo do amante substituível
quando já descia no Japão
num avião de listras vermelhas
como o sangue na calcinha do
sono na noite passada

o avião descia girando
muito lento sem nenhum
medo mas descia girando
onde abaixo era Japão
e ouvia-se crianças nalgum
intervalo de festas juninas

descia como uma hélice
um ralo quando então num
corredor com quem eu
desconhecia, alguém com
livro nas mãos me vinha
e lia um poema da Caru

Caru abraçava Renan Caru chorava
enquanto ouvia seu próprio poema
lido era engraçado Caru chorar demais
assim tanto por um poema que
parecia chorar (de leve) por Camões
ou alguma utopia de esquina paulista
coisa que talvez taquicardia conduzida
pelas páginas do Ricardo nem estoico
nem só erótico que eu pensava
deve ser canceriano ou de balança

Caru chorava muito era engraçado
e não era, nada engraçado
ao que alguém a Renan dizia
consola tua Caru quando começávamos
pela segunda vez a ler em voz alta
o tal poema comovente

eu ali mesmo começava a anotar
num caderninho com javalis e maçãs
desenhados na capa, (escrevia
pois ficava sem saber o que dizer
que fosse certo de interpelação
à Caru que chorava desconsolada)
(escrevia para fugir do gesto) (como você
dobra o passo e entra numa loja
desnecessaria porque antevê
alguém difícil com quem cruzar
o dia) (ou então a hora difícil dos velórios)
(e não é uma fuga covarde se você
quer saber) (é uma fuga tímida
comovente até demais uma fuga
como uma caneta enfiada na garganta
após um acidente que te sufocasse
até a morte não fosse a escrita
objetiva antes de sida, ainda caneta
disponível como faca a te trazer
descompostura espontânea abraço tenebroso
sem medo que errasse no dizer
como esta faca rasgar então ao oxigênio
eu escrevia) “é a segunda vez
que vejo Caru chorar ao ouvir
um poema seu” mas quando na mão
pôs-se “seu” era de outro o poema
por que chorava e Renan abraçando-lhe
entendia perfeitamente como cuidar
desse choro ainda que
psicanaliticamente vão dizer seja em
mim que algo chora  
sempre que um avião vem descendo
em câmera obscenamente lenta
e o poema em que se chora chora
muito mais que uma metáfora
uma parte exata e sem saída
desse cochilo com morgana ao colo
colégio público na quina
domeneck no exatamente antes
e dia dos namorados
programado para uma noite
que veio infelizmente
com um pouco de gripe

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