eu estava no meio do caminho
lendo
o ciclo do amante substituível
quando
já descia no Japão
num
avião de listras vermelhas
como
o sangue na calcinha do
sono
na noite passada
o
avião descia girando
muito
lento sem nenhum
medo
mas descia girando
onde
abaixo era Japão
e
ouvia-se crianças nalgum
intervalo
de festas juninas
descia
como uma hélice
um
ralo quando então num
corredor
com quem eu
desconhecia,
alguém com
livro
nas mãos me vinha
e
lia um poema da Caru
Caru
abraçava Renan Caru chorava
enquanto
ouvia seu próprio poema
lido
era engraçado Caru chorar demais
assim
tanto por um poema que
parecia
chorar (de leve) por Camões
ou
alguma utopia de esquina paulista
coisa
que talvez taquicardia conduzida
pelas
páginas do Ricardo nem estoico
nem
só erótico que eu pensava
deve
ser canceriano ou de balança
Caru
chorava muito era engraçado
e
não era, nada engraçado
ao
que alguém a Renan dizia
consola
tua Caru quando começávamos
pela
segunda vez a ler em voz alta
o
tal poema comovente
eu
ali mesmo começava a anotar
num
caderninho com javalis e maçãs
desenhados
na capa, (escrevia
pois
ficava sem saber o que dizer
que
fosse certo de interpelação
à
Caru que chorava desconsolada)
(escrevia
para fugir do gesto) (como você
dobra
o passo e entra numa loja
desnecessaria
porque antevê
alguém
difícil com quem cruzar
o
dia) (ou então a hora difícil dos velórios)
(e
não é uma fuga covarde se você
quer
saber) (é uma fuga tímida
comovente
até demais uma fuga
como
uma caneta enfiada na garganta
após
um acidente que te sufocasse
até
a morte não fosse a escrita
objetiva
antes de sida, ainda caneta
disponível
como faca a te trazer
descompostura
espontânea abraço tenebroso
sem
medo que errasse no dizer
como
esta faca rasgar então ao oxigênio
eu
escrevia) “é a segunda vez
que
vejo Caru chorar ao ouvir
um
poema seu” mas quando na mão
pôs-se
“seu” era de outro o poema
por
que chorava e Renan abraçando-lhe
entendia
perfeitamente como cuidar
desse
choro ainda que
psicanaliticamente
vão dizer seja em
mim
que algo chora
sempre
que um avião vem descendo
em
câmera obscenamente lenta
e
o poema em que se chora chora
muito
mais que uma metáfora
uma
parte exata e sem saída
desse
cochilo com morgana ao colo
colégio
público na quina
domeneck
no exatamente antes
e
dia dos namorados
programado
para uma noite
que
veio infelizmente
com
um pouco de gripe
Nenhum comentário:
Postar um comentário