20081215
cantiga-elegia
há um rosto maciço em mim
o truculento invisá-
vel sobre a borbulha de gosme-
ético
pastosa penugem
a critério de cicatrozes
atrizes ciscando
pintada à solta
ingenuamente feminta
às segundas-feiras
rompo assim
não faz nada
deixo o dia o dia
ateio o fosco na impune
dó
do dia não mexo ateio
entro-n’água
deixo
freixo
que caia dentro
deixo a máscara
derretendo sui-
cílios
céus-surros
quieta afogo
a fogo
a mágoa
amásia
20081212
Ana C.
33ª poética
estou farto da materialidade embrulhada do signo
da metalinguagem narcísica dos poetas
do texto espelho em punho revirando os óculos
modernos
estou farta dessa falta enxuta
dessa ausência de objetos rotundos e contundentes
do conluio entre cifras e cifrantes
da feminil hora quieta da palavra
da lista (política raquítica sifilítica) de super-signos cabais: “duro
ofício”, “espaço em branco”, “vocábulo delirante”, “traço infinito”
quero antes
a página atravancada de abajures
o zoológico inteiro caindo pelas tabelas
a sedução do maxilares
o plágio atroz
ratas devorando ninhadas úmidas
multidões mostrando as dentinas
multidões desejantes
diluvianas
bandos ilícitos fartos excessivos pesados e bastardos
a pecar
e por cima
os cortinados do pudor
vedando tudo
com goma
de mascar.
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A qualquer momento chegarão os portadores da tragédia. Abro
a porta a eles amordaçam a minha dor com olhos melífuos, expedientes
da compaixão. Há uma carta guardada na geladeira, sumos, travos,
jarros escorregadios, derramo o leite sobre os restos do rosbife,
vomito no corredor. Sempre odiei os consoladores que agora me ampa-
ram. Me tomam pela cintura, bato as pernas no ar, nado e aos
poucos aprendo o ritmo. Baforadas regulares suspendem a necessidade
do tratamento de urgência. Os médicos não chegarão, respire, respire.
Alguém sugere chá com leite. Alguém percebe o estrago, a carne surpreendida,
o suor coalhado nas vigas. Me pousam no tapete,
acarinham meu queixo pelado. De costas para a terra a natação fica
difícil. Alguém liga o ventilador Arno para espalhar o pó. Os anjos
decaídos chegarão do deserto? Alguém traz o aparelho de pressão para
que eu não sinta a tua falta, doutor? O doutor não virá mas nós
estamos aqui, meu bem. A água está fervendo, sussurra alguém para
evitar que eu escute? É inútil porque minha cabeça encosta à altura
da porta da cozinha. Com o rabo dos olhos vejo toda movimentação
carnívora. Tenho orelha muito ágeis. Os consoladores fazem-se de
ágeis, enchem a casa de fôlegos refrigerantes. Secundam as marés
com instrumentos clínicos para que eu não me afogue. Faço respira-
cão num ritmo que não conheço bem. Estou enfim absoluta, não me
movo mais. Sou apenas o olhar branco das panelas. O fogo apaga-se.
(CESAR, Ana Cristina. Antigos e soltos - poemas e prosas da pasta rosa. org. Viviana Bosi. IMS:2008)
20081209
crônica portuguesa
os enormes bichanos rondando a ruína do Castelo / Lisboa
os painéis do Lima de Freitas na estação do
recortes das tonalidades Lisbonenses: telhas e Tejo
saudar Cesariny / Vila N. de Famalicão
as pedras do rio da minha aldeia, Tâmega / Amarante
uma choupana pra se comer e beber
cuidado, é muito provável que atravesse um senhor com chapéu e sua criança menina de saias e canelas grossas, atenção / Lisboa
em Lisboa os passos convidam ao mar, convites inevitáveis...
os painéis do Lima de Freitas na estação do
Rossio, aqui "Fernando
como já dizia Amália... "Lisboa cheira à castanha assada
viela de Alfama, labiríntica sonda branca
de varais / Lisboa
a estrutura do metal é leve confundida com os próprios
galhos do buganvile, sobre o qual os homens mais velhos
jogam cartas e dados, numa tarde cotidiana de Lisboa
recortes das tonalidades Lisbonenses: telhas e Tejo
escarpas aladas do Cabo Espichel, onde a terra acaba e o
no Bussaco, a capela de pedras coloridas
o convite torto elíptico das pedras portuguesas na praça
saudar Cesariny / Vila N. de Famalicão
as pedras do rio da minha aldeia, Tâmega / Amarante
uma choupana pra se comer e beber
cabritos, caldo verde, leite creme / Braga
entrada ou saída para ruínas romanas /
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