33ª poética
estou farto da materialidade embrulhada do signo
da metalinguagem narcísica dos poetas
do texto espelho em punho revirando os óculos
modernos
estou farta dessa falta enxuta
dessa ausência de objetos rotundos e contundentes
do conluio entre cifras e cifrantes
da feminil hora quieta da palavra
da lista (política raquítica sifilítica) de super-signos cabais: “duro
ofício”, “espaço em branco”, “vocábulo delirante”, “traço infinito”
quero antes
a página atravancada de abajures
o zoológico inteiro caindo pelas tabelas
a sedução do maxilares
o plágio atroz
ratas devorando ninhadas úmidas
multidões mostrando as dentinas
multidões desejantes
diluvianas
bandos ilícitos fartos excessivos pesados e bastardos
a pecar
e por cima
os cortinados do pudor
vedando tudo
com goma
de mascar.
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A qualquer momento chegarão os portadores da tragédia. Abro
a porta a eles amordaçam a minha dor com olhos melífuos, expedientes
da compaixão. Há uma carta guardada na geladeira, sumos, travos,
jarros escorregadios, derramo o leite sobre os restos do rosbife,
vomito no corredor. Sempre odiei os consoladores que agora me ampa-
ram. Me tomam pela cintura, bato as pernas no ar, nado e aos
poucos aprendo o ritmo. Baforadas regulares suspendem a necessidade
do tratamento de urgência. Os médicos não chegarão, respire, respire.
Alguém sugere chá com leite. Alguém percebe o estrago, a carne surpreendida,
o suor coalhado nas vigas. Me pousam no tapete,
acarinham meu queixo pelado. De costas para a terra a natação fica
difícil. Alguém liga o ventilador Arno para espalhar o pó. Os anjos
decaídos chegarão do deserto? Alguém traz o aparelho de pressão para
que eu não sinta a tua falta, doutor? O doutor não virá mas nós
estamos aqui, meu bem. A água está fervendo, sussurra alguém para
evitar que eu escute? É inútil porque minha cabeça encosta à altura
da porta da cozinha. Com o rabo dos olhos vejo toda movimentação
carnívora. Tenho orelha muito ágeis. Os consoladores fazem-se de
ágeis, enchem a casa de fôlegos refrigerantes. Secundam as marés
com instrumentos clínicos para que eu não me afogue. Faço respira-
cão num ritmo que não conheço bem. Estou enfim absoluta, não me
movo mais. Sou apenas o olhar branco das panelas. O fogo apaga-se.
(CESAR, Ana Cristina. Antigos e soltos - poemas e prosas da pasta rosa. org. Viviana Bosi. IMS:2008)
2 comentários:
Maravilhoso.
Não estava sabendo do lançamento de inéditos de Ana C.
valeu roberta
abraço
Mauro
http://elizabethmydear.wordpress.com/
Em agradecimento por me colocar entre os peregrinos:
Aí vai minha Ana C. favorita que não sai da cabeça desde que a li em 94:
Pitonisa é aquela que um dia queimou e cujo
fogo desce do alto em bênção de ventania sobre
nós em bênção de vendaval. Outra vez a lotação jamais
estará lotada para ti, digo, vem, possível,
vem imediatamente, possível
Hoje comeremos carne.
Vem, imediatamente, possível, e nos leva.
Durante estes últimos meses amor foi este fogo.
Contagem regressiva: a zerar.
Hoje é zero,
e daqui (Cristo em cruz de costas)
começo a amar.
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