20090213

Evana Komaris






em toda casa um cômodo que acanha
uma criança medonha uma doença da fragilidade
roída para debaixo de nossas alas
em todo quarto o armário sonâmbulo que extravia
a porta a abrir uma porta a fechar
sentados os invictos da masmorra mastigam
a carne assada de um nobre porco silvestre
balbuciando nas faces um desdém interdito
e livre
uma sincera fuga por dentro do garfo
a criança acolhida em suas tranças
que logo serão tolhidas
sabe de todos os jogos e malícias e atua muito bem
por fora de seu espantalho
seu corpo temido e venéreo seu corpo acobertado
com tralhas e bonecas e palavras que não combinavam
com aquele olhar da mãe aquele olhar salubre da família

e só assim eu tento o lastro jubiloso
olhando pelo negativo das caras
aquele meio-fio negro e branco
aquela caricatura de bolhas
ameaçadas dentro das minhas axilas

aquele código que circula
na voz da horrível vida
do sangue

20090211

Memória de Lúcia

fomos atravessadas pelo baldio cheio
destravamos a distância das inadequações
um borrão de vento sopra agora o tímpano
para que o espelho se estilhace sobre o corpo sem retorno

agora tu não me conheces mais
agora tememos o ninguém que nos tocávamos
e todo o dito nos atravessa pelo buraco
do que não foi dito do que nunca poderá
ser dito

de outra maneira como o rio
com um facão na algibeira não havendo mais
lugar
para o cajado da fábula percorrida
nessa passada década de nós

ensaiamos chegar aqui
libertas
esse é o nosso saturno
desfazendo seus anéis translúcidos
sobre nossos pés
aos teus pés
um frio avança desviante
sinto-a em mim
como um trago feito em viagem
uma alucinação calma e
duradoura

sacrificada
em repouso na selvagem
hora
de nossas diferenças









cena de "A Montanha Sagrada", com Leni Riefenstahl