20110131

rascunho para o tio boonmee, sem título e indefinido, mas existente




Para o Marcelo, que dorme ao meu lado

o homem é arcaico na morte

no gesto de se deitar para ela

no gesto de nada escolher

azuláceo o elo a caixa sonora da noite

em que fumega a imagem dos variantes passados

muge em curvas ornando a cabeça

o animal que espera sair

solto para dentro da noite

o homem recebe a cornucópia sobre a face

galopa com chifres a sua mata cerrada

já sabemos que o animal é inconfundível

sabemos que segue por vontade própria

sentimos a máquina a pessoa do animal

tão densa e estranha a agilidade em que sabemos

a razão surpresa dentro dele

uma coruja então

com duas esmeraldas

acende o cortejo noturno

águas do sonho azuláceo

mata lunar

fragrante limo

a cheia dos véus

que sorve o espelho

à corola das vezes

na memória

quantos tons a imagem amorosa da lua

quantos semitons até toda desnuda

a raspar suave o visível

de reflexo em reflexo

o torso da lua

torna à água

e à noite torna

o rosto da amante

perdida a arder

no intocável

dia

até que pedras

brancas pedras

ressurgidas no ancoradouro

o leito da noite

o talhe semblante da coruja

aquela agora que sem olhos

chora

um rito antigo

nas bordas de pedra e areia

do que ficou do amor

uma fotografia

iluminado em branco

iludido o reflexo

passam fantasmas

ofertados da fantasia

ofertados do milagre

o amor de uma sacerdotisa

por um peixe esse amor

a mesma sequência de véu

e entrada

o mesmo caminho do corpo

em flutuação e destino

todas as jóias são deitadas

no lodo claro e transparente

de morrer e boiar

a imagem de uma enorme ostra

encosta-se no beco de quem assiste

a posse dos elementos

brotar da boca

extática posse por um peixe

fico cega novamente por amor

as metamorfoses

as ninféias

a pérola mínima de recordar

de cor a preparação

de água tão pura

toda morte documenta

acidental, indelicada

uma janela com água ao lado

todo num afogamento para deixar

apenas a vida

dar a volta ao êxtase

corrosivo êxtase, a busca

dos amantes

dizermos: o alarido de tulipas

uma betúnia mourisca

pingentes aflorando sóis

e som de gravetos articulando

a chave de dois corpos

a gruta fende a noite em duas

entra-se pelo guardado

estreita pele de passagem

a boca sagrada dos amantes

ela retém fechados os olhos

sabe que fechá-los ajuda o silêncio

aberto pelo lábio ao homem que o percorre

todos os seus ossos

caverna-caveira

e estrela nas estantes de pó

que somaram o tempo à terra

este será o céu

do teu retrato –

aqui te deitarás

neste segredo da terra

onde o perfil do carneiro

entalha o começo

depois, há o escuro e a vida da água

elêusis, como duas pedras

alguém se lembra

elêusis, está aqui o sopro

que em tempos alardeou

tuas imagens

abertas e cegas

tuas luas imensas

despeja agora o tempo

de amar a noite

nasci aqui, outra voz

adormecidos do sol, a grande boca

de um dinossauro opera a escolha

do ângulo em que dizer a partida

depois ele reaprende como galgar superfícies

há cipós e sabres dentro das juntas

e meu rosto está desenhado nesta areia

a mesma areia em que deixei o corpo

é uma luz a fatia dos versos

que dar nas mãos dos vivos

é uma luz, como um cinema

para todo contato estar banhado de abundância

é que toda a partida se fundiu de canto e ouro






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