20110630

ruínas de Italica, V

o mosaico de netuno, que me levou até Italica, onde nasceram Trajano e Adriano, os imperadores romanos, na antiga Betica Hispanica, a 9 km de sevilha













os animais marinhos no mosaico, capricornio, peixe-cabra
















o padrão variado de belíssimos mosaicos no chão das casas romanas




mandala com o panteão romano, venus no eixo dos deuses











detalhe do mosaico de dioniso, seu princípio pantera, o animal do grande todo












ah, que surpresa: mosaico de dioniso e ariadne, enlaçados como videiras
































a arena romana em Italica










córdoba, a mesquita e a experiência do infinito, IV

portais de areia
condensação de rio










... gazpachos...












a égua da noite nos pátios de laranjas







alta









na mesquita o esplendor mudéjar,

o que então chamar de bárbaro?









quando se sabia que a vertigem de orar se opera pela expansão e contenção labiríntica do espaço





















delicados ladrilhos incrustados no gesso, um jeito de chamar a bem-aventurança, sem sangue cruz ou pesar: jardins








apoteose, palavras




































gato de zinco malabar
















o nome das histórias de terror



















ruas de sol, branco e laranjas























becos de beber


























20110629

o sal das bruxas, sevilla 3

espiamos um pátio típico andaluz, caímos num oásis
o efeito que dá a azulejaria andaluza: desejo

ruelas de sevilha, bairro de santa cruz, ébrios de apenas
andá-las

está imagem é mais um cheiro, fortíssimo, que será o da
memória da espanha

um dos tablaos tradicionais de sevilha


as inúmeras laranjeiras soltas pela cidade
e a torre da giralda ao fundo, carmencita

marcelo e o sr. henrique, bruxo que nos vendeu incensos
e ervas preparados por ele mesmo

a palavra é sagrada, diz-nos as paredes do real alcázar

a abóboda árabe, não são anjos: são constelações douradas

azulejaria árabe com padrões estelares e geométricos

20110627

o sal das bruxas, sevilha II

o real alcázar de sevilla, arte mudéjar, uma delicadeza que
assalta qualquer promessa de reconquista barroca e cristã


uma tentativa de assalto: dentro do alcázar

a madeira escura e obscura de uma nossa senhora

muito tenra a ouro


nos jardins do real alcázar a sobrevivência turquesa do mistério


quatro pavões plenos guardam do alto das muralhas o passo deslumbrado

do viajante




as calles de sevilla no bairro de santa cruz, antiga juderia onde guitarras suspendem-se de calor



20110626

rotas desviadas e muito sol, lisboa I

ao fundo, lisboa, dentro marinho o tejo, em cacilhas, do outro lado, destino do desvio













arder o cais, cacilhas
pega-se o barco no cais do sodré, lisboa em mosto dourado

nenhuma cidade é de se chegar tanto quanto lisboa que de rio faz seu portal












também se chega pela boca, ao rés do rio, onde sentava-se o Pessoa, no Martinho da Arcada, o filé a martinho, regado a café

a escolha de chegar de Marcelo é bacalhau, ora pois

escadarias da madragoa numa sexta-feira santa depois de bandeirinhas juninas e miúdos












a escolha perene, o trilho no céu o trilho no chão: bondes a descer até onde? lisboa

20110607

te dedico um campanário de aldeia, uma brisa silvestre, acolhido amor















para minha amada Anna Cecília


que estará novinha em folha num piscar de olhos

foi durante a noite que cavei entre troncos um não
a recusa assertiva fez que do sono caíssem jarros e janelas
água pelo chão e o susto musculoso de pertencer ao abismo
o susto de não saber de fato a extensão de qualquer recusa

levanto-me não consigo fazer das horas sequer uma espera
não haverá analgésicos para o dia 7 de junho de 2011
há apenas uma fábula sincera de seres outros, uma força de fogo
com mãos e braços estendidos, uma força inexplicável
que abre os olhos do milagre

tu estás agora em repouso, guardada para a vida dos impactos
refazendo como um bordado o tecido do corpo
outra vez se abrindo ao que renasce, e os olhos
eu sei, os olhos terão depois um azul mais intenso
um azul que talvez tivessem as mulheres do mar
(a luz de um indestrutível baluarte) aquelas que atravessaram
a dor e voltaram, à hora de retornar
com uma ilha de bem-aventurança conquistada na pele

em teu repouso será cerzido o elo de frescor e suavidade
minúsculos pontos de estrela trabalham a flor ininterrupta
até que o sol arqueiro e delicado, aguerrido
e bravo, seja outra vez o sol que nós amamos pela cidade

um vendaval breve bagunça as orquídeas da varanda
uma sirene e uma criança cantam em coral baixo sob o céu prateado
diante de nossa precariedade que nos resta além do canto
partilhado? dos estilhaços de uma noite, Anna
um condão de erros nos circula a bainha dos passos
mas dentro dele, invisível e sonoro, um sopro interior
sustenta em pé essa exímia fragilidade, e ao dobrar
o Bojador, marinheira, calma e radiosa, tu voltas
outra vez, com o coração acelerado, fértil, entusiasta

ao centro intenso da grande cena
errante entregue à beleza viva deste drama-poesia
e quando nos saudarmos o futuro lá adiante, broto
de um eterno presente, será feita de sorriso e graça
a face ardente que teremos dado ao mundo

20110602

(poema de Al Berto) para Feso e Luc

De Esparta chegarão as dádivas
os esbeltos e velocíssimos galgos
a exactidão musical dum perfil talhado na pedra sonora
duma ilha ... conheceremos a solidão
e a indiferença cruel dos deuses
sua inquietante sonolência de ambrósia e musgo
os oráculos aconselham a ingerir
uma mistura de leite coalhado com sangue de poldro
para afastar o receio e as víboras

espantaremos as feras ruivas que rondam a noite da casa
cultivaremos os jardins próximos do mar
onde o sal arde mais intensamente e revela um talento
cuidaremos da nossa loucura
e do frenesi dos insectos pelo estonteante açafrão

o deserto da noite atrvessá-lo-emos em absoluta erecção
uma deslumbrante miragem
interromperá qualquer rasto de pesadelo
quando a madrugada cintilar tudo continuará insensível
apesar de nos termos tocado


in: Al Berto. Vigílias. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004

20110601

Pinto para dar uma face ao medo, Paula Rego

Para Maiara Gouveia, Ana Rüsche, Lilian Jacoto e Laura Magri




Esse é um relato muito pessoal, mas isso não é uma ressalva: apenas uma maneira de lançar o convite com mais convicção, com mais paixão, com a espera de maior efeito. Um chamado. Já de cara, frente a frente com seus quadros, o que é pinçado no espectador é uma resposta visceral, altamente instintiva. Você se sente remexida e devolve à sensação um olhar de estranhamento, quando não (o que acontece muitas vezes), de repulsa.


Andando pela sala da Pinacoteca do Estado de SP, é comum escutar “isso é horrível”, “extremo mau gosto”, “muito bizarro”, “não dá pra entender isso”. Frases como essa: Olé, Paula! Um amigo dela disse de sua pintura: “pinta para dar uma face ao medo”. Mas se você deixa que o olhar se entregue à trajetória de sua pintura, só lhe restará, ao fim, perguntar: e qual face não é uma face do medo?


Breve biografia: Paula nasceu em Lisboa, em 1935, aquariana. O catálogo da exposição diz que foi filha de pais da ‘alta burguesia’ e que, aos 16 anos, é enviada pelo pai para Inglaterra, após este concluir que “em vista da forte repressão contra mulheres em Portugal, sua filha viveria melhor em um país mais liberal”. É na Inglaterra que ela vai estudar e viver boa parte de sua vida. Mas, olhando para o conteúdo do trabalho de Paula, não dá para não notar que era de Portugal que ela falava, ou a partir de Portugal, de Portugal como uma matriz (a sua) de um contínuo e civilizacional machismo violador de todo e qualquer rosto, sobrando como face, o medo. Paula nasce quando morre Fernando Pessoa. E viu diante de si todo o desenrolar macabro das ‘historinhas’ da ditadura. E mostrou que o silêncio pregado na boca das mulheres, a partir de seu trabalho, este silêncio teria um grito, muito marcado e encardido, menos fantasmagórico como aquele poente de Münch. O grito seria o grito da casa, do cotidiano, dos abusos sexuais. O grito seria a outra face (a do medo) pendente em sangue dentro das felizes fábulas de ninar, contos de fadas que não só servem para que o terror seja suportado, mas também para mascará-lo.


O fabulário torna-se um bestiário. Aqueles animaizinhos que nos eram apresentados como alegorias de vícios & virtudes, vencendo sempre a força educadora da moral que reprime o reconhecimento do mal (e sua força) é destrinchado às tripas de sua pura e visível crueza. Não: o lobo mau não é apenas uma força hipotética que se vence com penitências e orações. O lobo mau, mostra a Paula, é aquele sujeito que se esgueira e abre a saia da criança, é aquele outro que com farda e espingarda ‘chama’ a moça distraída ao abuso, é ainda aquele ali, sentado na tua frente, lendo jornais. O traço de Paula, que ela diz ter herdado do surrealismo (quando a imaginação não tem limites e o real só se sabe inventado), vem também de uma longa pesquisa de desenho somada à pesquisa com ‘contos de fadas’ que ela realizou com auxílio da Fundação Gulbenkian nos anos 60. A situação não poderia ser melhor. Em Portugal, esses livros morais, fábulas e afins, faziam parte intrínseca da educação de qualquer bom português católico, colonialista, reacionário. As cartilhas de boa educação escamoteiam a realidade política e social, alienam os mais fracos, que continuariam sendo aquelas presas dos bichos-papões, continuariam sendo o ‘lado b’ das histórias infantis. Não aqui.


Contar histórias, mostra Paula, pode ser ‘descontar nas histórias’ o que as histórias omitem. E é por isso que as pessoas ficam chocadas, como se o maravilhoso mundo da infância cor-de-rosa em perfeição fosse (e é) um dos grandes tabus de qualquer política misógina. No fundo da casa portuguesa (e na nossa, e de muitos outros) paira ainda o pai-patrão-coronel que legitima seus fracassos abusando da mulher-criança, dois estatutos que não têm dignidade civil ou mesmo humana. A caricatura dessa ‘educação sentimental’ , essa zoologia pictórica que Paula traz à cena, força o espectador a olhar para sua própria vergonha, sua própria violência maquiada em hipocrisia, seu próprio silêncio corroído em culpa e injustiça.


Mas não creio que a denúncia simplesmente se atraque num domínio tenebroso, numa experiência de derrota. Acho a Paula Rego extremamente solar, pronta para a vida. Há uma seta, neste desfile do horror cotidiano, que aponta o desmanche dos nódulos, uma seta potente, zombeteira. Irônica, sarcástica. Isso porque Paula não se vitima e não indica a ninguém o caminho da vitimização. O melhor de escancarar a podridão de uma casa é fazê-lo com graça, como quem já pode ver o ridículo da barbárie, além de lamentá-la. E nisso Paula elabora um possível rito de passagem para aquelas infâncias dentro de nós que não o tiveram: ao elaborar e deglutir a ‘consciência do mal’, ao invés de escamoteá-lo com regras e preceitos externos (como obedecer, rezar, não questionar), Paula realiza um trabalho de ‘cura’ de nosso inconsciente, trazendo-o à consciência de maneira direta, sem firulas. É um trabalho de mulher.


E o mais fundo mergulho, a mais funda denúncia: chamar atenção para a violência machista que entorna o ‘tabu’ do aborto. Uma das sequências mais imponentes da mostra debruça-se justamente sobre a situação precária da mulher que, não só deve servir o sexo em raptos e estupros, como depois é condenada a parir um filho-monstro, um filho fruto do ódio e da impunidade. O aborto é assunto capital, ou ainda se pensa que toda mulher é mulher enquanto possível mãe? Ou ainda se pensa que todo filho é inevitavelmente um elo de amor? ou ainda se pensa que quem manda no corpo da mulher é a sociedade ou o homem? Olhe atrás do espelho, investigue os ‘contos de fadas’ da sua família. É a isso que Paula convida. E é claro, é exatamente isso que muitos detestarão fazer.




Veja: na PINACOTECA DO ESTADO DE SP mostra Paula Rego até 05.06.2011



este texto foi divulgado também pelo blog carme, com imagens de pinturas da Paula!