... há desses dias sonsos, em que se acorda maltrapilha para a rotina e tudo parece querer forjar culpas e tremeliques e coisinhas ressentidas, nesses dias por acaso ou sem querer, rói-se as unhas e demora-se para tomar banhos ou limpar qualquer coisa já limpa do corpo...
... bem, quando eu acordo assim, corro pro Mário...
... e quando o assim agita-se mais grave e nebuloso, só me salva este poema, abrindo um jocoso sarcasmo como técnica com que rir de si mesma e dessa lenga-lenga de suíte sentimental..
... ay ay ay...
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FEMININA
Eu queria ser
mulher para poder me estender
Ao lado dos meus
amigos, nas banquettes dos cafés.
Eu queria ser
mulher para poder estender
Pó-de-arroz pelo
meu rosto, diante de todos, nos cafés.
Eu queria ser
mulher para não ter que pensar na vida
E conhecer muitos
velhos a quem pedisse dinheiro –
Eu queria ser
mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas
e a fazer potins – muito entretida.
Eu queria ser
mulher para mexer nos meus seios
E aguçá-los ao
espelho, antes de me deitar –
Eu queria ser
mulher para que me fossem bem estes enleios
Que num homem,
francamente, não se podem desculpar.
Eu queria ser
mulher para ter muitos amantes
E enganá-los a
todos – mesmo ao predileto –
Como eu gostava
de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,
Com um rapaz
gordo e feio, de modos extravagantes...
Eu queria ser
mulher para excitar que me olhasse,
Eu queria ser
mulher para me poder recusar...
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Paris, fevereiro
de 1916
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Leia
aqui trechos de cartas de Sá-Carneiro a Pessoa, logo antes do suicídio deste
fabulosíssimo poeta português: http://eleusiana.blogspot.com.br/2012/04/sa-carneiro-mario-em-cartas-ao-fernando.html
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