20121106

indo para bélgica, quando irei vê-las?


outros dias, o das beguinas, mas não:
rescende, fico cheia de lama, lume, úmido canal: qual fruto?
não distingo ainda, atravessando
passo até aquela beira de praça (graça)
onde lebres e cisnes
e aladas mulheres negras
e gente de bicicleta
e cabelos cor do gema

chegamos. era noite. dei-lhe um beijo.
saboreio o frio (rescende a lume)
o frio deixa andar mais rápido, faz bem ao movimento
abre no rosto algo delicado e sedoso (noite)
e cora nos olhos algo mais que líquido
era noite, nos beijamos, e o cisne
passou por debaixo de meu corpo
entre as alças de água de meu corpo
e o frio que já então eu tinha como meu
mas não como nosso
neste dia, parques, ruelas, sorrisos muito idosos
sempre de bicicleta
bicicletas me lembram herberto helder
e o herberto me lembra
que estou tão perto da antuérpia

antes disso, antes da bélgica
aquela estrada aquarelada (disse a Caru)
porto de guerras abaixo de areia (nós vimos)
a inglaterra está a dois passos (era claro)
os cemitérios estão amontoados
é o relato numa alta velocidade
mas lenta é a paisagem ainda mais
quando estar numa estrada romeira (como começa a estrada)
fora das autovias e das luzes
(ama)

o porto de Boulogne-sur-mer
a casa das gaivotas
(falésias de pombos que pôr na boca)
(um pombo e um fígado de ganso
foi o que me colocaram na boca
para engolir manso, presa
inquieta) (era estranho
e eu comi)

tinha aquela luz, o claro-escuro
de alguns abandonos, o mar
o mar do norte, antiga flandres (vickings do meu nome)
(rod bert, barba ruiva, roberta)
de contemplação, o mar antigo
e o sangue ali debaixo
do mar do nome
as âncoras nos pedaços de corpo
de algas ou garrafas, conchinhas
embora chovesse e logo se abrisse
em arcoíris tudo isso, antes
de passarmos
adiante


subimos, sim, sinos, campanários, túmulos amontoados (já disse)
(o Caio F Abreu dizia que a Europa
é muito velha, que se cansa muito aqui
que a energia abaixa) pode ser
(mas é só um nome que digo
depois de ter já dito
Lisboa
Europa
Mar do Norte
Meu nome
Outro lugar)

algo se reinventa
quando eu sei que por exemplo:
amanhã, ver
verei beguinas
perto de Hadewijch
com as mãos num lenço dela
a que morou em Lovaine, Jodoigne, Llansol
e aos pés do patio do amor (minnie alguma coisa)
(em alemão flamenco holandês)
também entenderei das líguas
num espaço branco de vestir
cheio de sol passarelas e canais
todo o lodo e o mar
num aceno fonético em que dizer
respiro, solta, respiro, muito solta
ao lado delas, irmãs
(mai, ana, mai, ana)
(o bordado com desenho de unicórnio)
rescende e sei, nítido
a cidade tem cheiro de fogo
a cidade tem cheiro de chocolate
a cidade tem cheiro de cisne
(podia se chamar Brygitte
como se chamara)
um porto raso de calor e batatas fritas
e uma coisa loura que se bebe
muito

sim, estávamos cansados, dirigimos muito aquele dia
e em 3 vilarejos tentamos
buscar um copo de café

foi sim, te conto
entramos neles, nas vilas
tem aqui um café? um café?
e nada, era domingo,
viv'alma ali

na busca por um café
nada, mas o cômico
de estarmos aqui
a ver outra vida
a mesma quiçá outra
de domingo: uma senhora

comprava
com moedas
numa espécie de caixa eletrônico
no meio de uma rua vazia
sim, no meio vazio de uma rua
um saco de batatas!

você põe ali moedas
e te abre o vidrinho
um saco de batatas!
oras, não havia café
mas uma máquina automática
de batatas!

e assim
fazendo limonadas continuamente
dos limões, comemos
mui contentos
uma bela batata frita
e mais outra linda frita
batata
------ estrada, é
tanto! a gente (quase)
cantava
no riso


e ela diz agora para o sono, vindo
uma criança sem rosto escapuliu-se, e entrou na gruta.
Enrodilhei-a nas minhas saias, desejando apaixonar-me pela força imensa
que eu queria que tivesse. Envolvi-a na audácia que nos espera.
Cobri a cabeça, e pu-la ao seio, pois o borbotar da palavra
principiava a ser maior do que o do leite
(Llansol, Lisboaleipzig I, p.11)



































Um comentário:

maiara gouveia disse...

leio as duas (ana, rosa). e há tantas paisagens miúdas
no acúmulo das noites e dos dias, e as praças mudam
dentro das fotos e dos mapas
: sujeira sonora do amor
onde tudo devia ser só

a cidade muda

e há
um percurso de corpos
o beijo
: beija-me, rebeija-me

cifra de todas as ruas.

(...)