20121208

[agonia febre-fulgor _____ trecho de diálogo]


 [ainda dialogam, H. e Teresa, Teret]

 

(...)
T – Bebeste?
H – Daquela boca?
T – Em tua boca?
H – Bebo para conquistá-lo.
T – ...
H – Bebo para conquistar o vazio
       e ter quaisquer instantes de líquido
       preenchimento no denso da boca.
       Que seja mais que a ilusão de um beijo.
       Menos que a ilusão de um beijo.
T – Sabes o que dizes, senhora?
H – Que é difícil, Teret. Que não há trégua.
T – E depois, senhora?
H – Depois...? Depois engulo, abro as pernas.
      O elástico dos buracos, estendidos, todos
      e devolvo cada engano, líquida ainda, mas
      sobrevivente, gasta. Crua. Forçosa.
T – E vale o apenas de uma sobrevivência, esta crueza?
H – Não vale, Teret. Mas não vale ainda gritar
       demasiado, rogar as fúrias, afora correr
       até que o osso abra na carne o sinal
       triste de um martírio, esperançoso.
       De uma esperança flácida, paciente. Temerária.
T – Resignar-se?
H – Não. Não. Como das feridas o suficiente.
       Uma maçã por dia. Isto não é uma receita, não
       te assustes. Ou hábito. Ou semelhança.
       Sabes, eu nem gosto de maçãs.
       Mas por acaso nas manhãs passo pelo espelho.
       Olho, Teret. É importante saber esta cara.
       Para o corpo-a-corpo. Ereta.
T – Lutas com o que, senhora?
H – Com isto de nome e farpa, isto
       que me tem na boca. Assanha. Arrasta.
       Isso que me beija e me dilata, depois
       divertindo-se ou mesmo desenganado
       espanca, devasta. Luto e me deito.
       Nos poros as marcas do que me sobra.
       E escapa. No meio do rosto, oval
       esta passagem, que enfrentar.
T – Com palavras?
H – Com alimento.
T – E sorve o suficiente?
H – Só o demasiado.
T – Deves estar contente, senhora.
H – Estou sozinha, Teret.
T – Mas tens tudo isto nas costas.
H – Nas costas, na boca e no ventre. Esta demora.
T – Para onde irias, senhora, se te movesses?
H – És engraçada, Teret. Tens humor. Tem graça o que me pedes.
T – Pensaste que te pedias? Queres que te peça?
H – Vem aqui. Sobe na página, vem. No olho
      do pobre cão. Lambe por dentro destas unhas.
      Não sei como guardam tanta terra. Deixa
      que coloque a mão em tua boca.
      Baba neste labirinto falível, amiga.
     Goze depois, eu te peço. Espana o rabo.
     Não quero mais falar.
(...)

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