Circuncisão
A Cru desde
Sempre
algemado desejo ?
à força toda infância à faca
sem explicações, Alá
é grandioso
os tapetes não são para proteger do frio
a noite é um cortinado de areias
a banir
o luxo rosa-fúcsia
das tendas
fora: pobreza, poeira
pouca gota de claridade ou água
fora das túnicas do azul topázio
quase disfarçassem mesmo tingissem
a tonalidade ocre daquele destino
circunda o silêncio quente das cabras
a espera do homem que se foi sem palavra
apenas um grito alto
e aquela expressão que jamais
cederá ao consolo
galinhas, cabras, gato, o crescente lunar
tudo espalha-se no deserto
mas nenhuma fantasia
nenhuma lira
apenas: sobrevivências
no cenário sem cenas, o desfalque dos restos
pés e mãos adornados com barro
enfeites para a proibição do rosto
corpos encapsulados como se já estivessem
embalsamados
armados
dos pés à cabeça
apenas mão e pé à mostra
num parco enfeite
que aos poucos se dissolve
em pequenos extermínios
é no chão que se dorme,
mas onde é que se sonha?
há o marasmo triste no destampado das mulheres
outra vez, como se já fossem suas próprias
múmias
há uma memória das dores de Espanha, as dores de Marrocos
óculos escuros nesta mínima gente do Saara
todos ali nascidos presos a uma tina de sangue
e memória
dedos-de-poente, um caminhão, um outdoor
podem ser o início da curva –
um assombro
de escapar
as crianças decapitadas e alegres
puras como qualquer criança
saem todo ano para desfilar qualquer bandeira
cantando, bebês, “corte a cabeça
dos nossos invasores”, enquanto
as mães riem um riso não satisfatório
ao fundo, cabras se alimentam de caixas de papelão
e pessoas se alimentam dos leites dessas cabras
adoecer é apenas um detalhe
para quem vive foragido
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