20101030

notas à Mostra, IV

Circuncisão

A Cru desde

Sempre

algemado desejo ?

à força toda infância à faca

sem explicações, Alá

é grandioso

os tapetes não são para proteger do frio

a noite é um cortinado de areias

a banir

o luxo rosa-fúcsia

das tendas

fora: pobreza, poeira

pouca gota de claridade ou água

fora das túnicas do azul topázio

quase disfarçassem mesmo tingissem

a tonalidade ocre daquele destino

circunda o silêncio quente das cabras

a espera do homem que se foi sem palavra

apenas um grito alto

e aquela expressão que jamais

cederá ao consolo

galinhas, cabras, gato, o crescente lunar

tudo espalha-se no deserto

mas nenhuma fantasia

nenhuma lira

apenas: sobrevivências

no cenário sem cenas, o desfalque dos restos

pés e mãos adornados com barro

enfeites para a proibição do rosto

corpos encapsulados como se já estivessem

embalsamados

armados

dos pés à cabeça

apenas mão e pé à mostra

num parco enfeite

que aos poucos se dissolve

em pequenos extermínios

é no chão que se dorme,

mas onde é que se sonha?

há o marasmo triste no destampado das mulheres

outra vez, como se já fossem suas próprias

múmias

há uma memória das dores de Espanha, as dores de Marrocos

óculos escuros nesta mínima gente do Saara

todos ali nascidos presos a uma tina de sangue

e memória

dedos-de-poente, um caminhão, um outdoor

podem ser o início da curva –

um assombro

de escapar

as crianças decapitadas e alegres

puras como qualquer criança

saem todo ano para desfilar qualquer bandeira

cantando, bebês, “corte a cabeça

dos nossos invasores”, enquanto

as mães riem um riso não satisfatório

ao fundo, cabras se alimentam de caixas de papelão

e pessoas se alimentam dos leites dessas cabras

adoecer é apenas um detalhe

para quem vive foragido

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