20120329

o poço encantado | le puits enchanté _____________ poema de André Breton, do livro 'signe ascendent'

o poço encantado


Lá fora o ar vai se resfriando
O fogo é frágil sob a chaleira azul das lenhas

A natureza cospe em sua pequena caixa de noite
Sua sutil escova começa a luzir
as arestas das moitas e dos navios

A cidade nos longos sinais de fulgor
Sobe até se perder
O longo de uma ladeira de canções que entre em espiral
pelas ruas desertas

Quando as amarelinhas abandonadas retornam uma
após outra pelo céu
Lá onde o fundo se afunila
Nas samambaias enlouquecidas do olhar
Eu tenho um encontro com a dama do lago

Eu sei que ela virá
Como se eu estivesse adormecido em fúcsias
É lá
No lugar onde o debaixo se eleva até a casa
das nuvens

Uma cabine de elevador pelas paredes da qual brilha por
maços de lingerie de mulher
Cada vez mais verde

Para mim

Para mim a flor do grisu
O lúdio humano o morcego branco
A grande advinha sagrada

Melhor que num filete d'água Ofélia no balé das moscas
de maio
Eis no reflexo do fio de chumbo aquela que está no
segredo das toupeiras

Eu vejo a sola do pó do diamante eu vejo o pavão
branco que faz a roda atrás do guarda-fogo da chaminé
As mulheres que desenhamos pelo avesso são as únicas
que nunca foram vistas

Seu sorriso é feito para a expiação dos mergulhadores de
pérolas
Com pulmões transformados em corais

É a Medusa encoberta cujo busto rodopia lentamente
na vitrine
De perfil eu acaricio seus seios nos pontos alados

Minha voz não lhe alcançará estes são dois mundos
E mesmo
De nada adiantará jogar em sua torre uma carta toda
aberta aos ângulos melados

Foram dadas a mim as algemas cintilantes de Peter
Ibbetson

Eu sou um pedreiro que enlouqueceu
Que arranca por placas e acabará por deitar abaixo
todo o telhado da casa
Para melhor ver como o vendaval se levanta do mar
Para me untar à batalha das flores
Quando uma coxa se alonga além da escrivaninha e entra em jogo o
pedal do perigo

A bela invenção
Para substituir o cuco o relógio pelo balanço
Que marca o tempo suspenso

Pingente do lustre central da terra
Minha ampulheta de rosas
Você que não subirá à superfície
Você que me olha sem me ver no jardim da
provocação pura
Você que me manda um beijo da portinhola de um trem
que foge


tradução Roberta Ferraz








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