20120304

PARTIDA _ [excerto de poema inédito, em exercícios]






I


a vaca: agarre-se à lua

uma espreguiçadeira de verão

escura inominada

na opacidade cerâmica

do branco crescente


esfoliação do vento

melancolia da partida


são cinco as manivelas

acionam a lua embrulhada de calma

são sal lembranças penedos

dentro do fiapo de ver Anna

Zborowska

bebo

socorro à pane das cores

viúva tão fresca fruta tão viva


suspendêssemos por mais

você enlouqueceria

são apenas as orelhas, é comum

irritadiças, as corças do jardim, não eram corças

corujas

a mãe coruja

semblante sonoro da espera

então espera


suas orelhas estão quentes

no mínimo

nome

um registro

banal

toda façanha

banal

comovida ou não, é assim

as mãos dentro do som

vibrantes centelhas

de uma figa


inexata você disse, azul


inexata

propensa

à fome

ao sono

quando cargueiros desiludidos ou águias vermelhas encaracoladas

aquele grito

ouviu?


ele cheira

as respostas

do fogo pálido

ciladas agudas

você está aí?

escuto aplausos

o quê mais?

números

ciladas?

números


volto a existir e a rua

a música aspirante

dentro do copo vazio

bóia congelada

antes da goela

reto ao coração

e cessa


a aparição de guerrilhas, o mundaréu de espelhos, reflexivo abuso dentro dos acordes

quebram a alta engrenagem, tragam até agora aqui Roberto Piva

tremem, as mãos tremem demais, o verbo daquela artéria oscila, faz frio ainda ali, e é quente a fotografia

é a praia simultaneamente eterna, eterna, fosca, feita em polaróide para que deguste

o relógio deixado a brio numa parede demolida quase na noite, a paisagem crisálida da partida


imagino que Nova Iorque

seja um cargueiro

cheio de morte


mais uma fotografia


qualquer que desbotasse

adiado o rosto errante

da partida


nunca soubemos de ti não haverá súplica apenas um telefonema do hospital

mais próximo


de ti, quando sou eu

quem deixa dita a nossa

existência

a existência

da praia

de nome

Camburi , móvel nos dentes

tão frio, teu casaco

ali nos esqueceríamos de voltar

à noite nos restou

a música a espera

mesmo sagaz, música

indiferente

praia

destinada

a partir-se

fria

fotografia


para o Cairo ou Nova Iorque qual a diferença? a você

resta o corpo

a fuligem

de uns tecidos

quentes

ainda

quentes

agarrados

às ondas

num estertor

lento

é possível

apenas o mar

é possível

constato

soubéssemos

(como a areia)

rude

deixar o sangue

os duros dias

o torso os calcanhares

e que os ossos

amedrontados nus

naturalmente

deixassem

sugar

a porosidade da perda



já íntima dos madrigais

despedaçada e clara

no final do mar

eu cantaria sobre o veraneio

só sobrou aquela ali

com um prego enfiada

todas as noites

no mesmo sonho

é Camburi


você diz

é Nova Iorque

poderia ser Alexandria

não, não havia qualquer gota

qualquer sereno

dentro dos encadeamentos

onde se gravar fúrias, nem isso vulnerável demais

dentro de nós este caminhão adestrado


o cavalo não está a trabalho, balanço a cabeça ao senhor de dentes de ouro

reparo

começam a cair os cabelos do general

não são os meus os cabelos que caem

meus cabelos seguem imensos

meia-volta segunda visita de saturno

e basta uma viagem




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