20120206

algumas canções da 'canção de Bilitis', de Pierre Louÿs

II
CÂNTICO PASTORIL


Suba-me aos lábios a canção pastoril desta hora; é preciso chamar
por Pan, o deus do vento estio. Guardo o meu rebanho e Selénia,
o seu,
à sombra redonda de uma oliveira que estremece.

Selénia está deitada entre ervas e flores. Levanta-se e corre,
ou procura cigarras, ou colhe flores com ervas,
ou passa a água fresca do ribeiro
pelo rosto.

Eu arranco lã do dorso alourado dos carneiros
para prover minha roca, e fio. Lentas são as horas.
Uma águia passa pelo céu.

A sombra gira: mudemos de lugar o cesto das flores
e o jarro de leite. Que me suba aos lábios o canto pastoril
deste fim de tarde: ó Pan, deus do vento estio.





V
O VELHO E AS NINFAS


Vive na montanha um velho. Cego, por ter olhado
as ninfas; seus olhos estão mortos. É dessa reminescência longínqua
que continua a jorrar sereno o júbilo em que vive.

"Sim, eu vi-as", disse-me ele, "Helopsicria
e Limnantis estavam de pé, não longe das margens,
no charco verde de Fisos. Tinham os joelhos cobertos
pela claridade das águas.

As nucas cediam ao peso de seus longos cabelos.
As unhas eram finas como asas de cigarras.
Tinham seios reentrantes como cálices
de jacintos.

Passeavam os dedos pelas águas e libertavam
da lama invisível nenúfares de caules esguios.
Em torno das suas coxxas abertas,
expandiam-se lentamente ondas circulares..."





XV
O ANEL SIMBÓLICO


Os viajantes que regressam de Sardes falam
dos colares e das pedras preciosas pesados que cobrem
as mulheres de Lídia, desde o alto do penteado
aos seus pés pintados.

Aqui, as raparigas não uam braceletes nem diademas;
trazem apenas no dedo um anel de prata,
com o triângulo da deusa gravado no engaste.

Quando voltam o vértice para fora,
quer dizer: Psiquê disponível. Quando voltam o vértice para dentro,
quer dizer: Psiquê fechada.

Os homens acreditam que é verdade, as mulheres, não.
Pelo que me toca, não olho nunca para que lado o vértice está voltado.
Psiquê está sempre disponível,
Psiquê desliga-se com imensa facilidade.





XVI
AS DANÇAS AO LUAR


Na erva tenra da noite, todas as raparigas
com cabelos violeta dançaram aos pares,
as "rapazes" imitando as réplicas do amante.

Diziam as virgens: "Não vos pertenceremos".
E sentindo a vergonha que não sentiam,
ocultavam a virgindade, enquanto, sob as árvores,
um vate egípcio tocava flauta.

Respondiam-lhe as outras: "Vireis procurar-nos".
Tinham apertado as vestes em vestes de homem
que não eram, e lutavam como se não lutassem,
as pernas bailarinas entremeando.

No fim, dando-se por "vencidos", cada uma delas
tomou sua amiga pelas orelhas, como uma taça pelas duas ansas
e, inclinando a cabeça, bebeu-lhe o beijo.





XXXI
OS TEUS CABELOS


Disse-me ele: "Esta noite, tive um sonho. A tua cabeleira
enrolara-se-me o pescoço. Os teus cabelos enroscavam-se,
como um colar negro, à volta da minha nuca e do meu peito.

Acariciava-os; e eram os meus; e, para sempre,
estávamos ligados pela mesma massa de cabelos,
assim, boca contra boca; éramos dois loureiros
que, como acontece, partilham tantas vezes a mesma raiz.

E, pouco a pouco, tive a impressão
de que os nossos membros se haviam de tal modo confundido
que eu me transformava em ti, ou que tu entravas em mim
como o meu sonho".

Quando acabou, colocou docemente as suas mãos
sobre os meus ombros, e olhou-me com um olhar
de tanta ternura que senti um arrepio, e baixei os olhos.


(LOUÿS, Pierre. O sexo de ler de Bilitis. Trad. Maria Gabriela Llansol. Lisboa: Relógio d'Água, 2010)

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