20121031

presságio





em dia de lua
por mais que dia azulíssimo
lua por detrás, e cheia
contra o sol, par
emparelhado por uma
terra
no meio

em dia de lua
cheia e alotrópica
tirar uma carta
do tarô antigo
e a carta ser 13
além de outras
que dizem sinais
força disciplina
coragem
coisas que as cartas
tiram das mãos
para sobreviverem
cartas

não bastasse o susto
de uma longa
tristeza funda chamada
segunda-feira
ter sido
durante
todo este tempo

não bastasse
em dia de lua
entrar num bicho metálico
que voa e atravessa
oceanos e órgãos

hipnotisada por um calmante
drink-poema
cristalizada numa forma enfim
sucinta à crise
e à despedida

vou
até o onde
seja lá
que me
espere

aderente
sonora
sonífera
sem resistências
beijar-te



20121026

solarium

novamente, inteiriço dia, aqui,
onde mora o sol feliz em estar aqui já no calor, no bafo quente do interior,
 no marasmo primaveril em que pássaros
são constantes cantos vim, rapidíssima,
estou aqui e sabendo no corpo e nos órgãos
que um dia é um dia inteiro

com o texto na mão, agora manhã,
depois do café preto vou até a figueira, com o texto na mão
a caneta azul porque azul é como o desejo é como o mar
é como a nudez do sol no mar
com a caneta azul rabiscar os brancos da fala de Teresa-Joana
nisso que se faz, AGONIA FEBRE-FULGOR
nisso que se adensa, míngua para mais

os cães dormem, torpor de sol demais
mesmo a manhã é já alta tarde, sol imenso
e dentro uma leveza, a casa, a casa, a casa viva,
em sua respiração lenta sem oscilar
em sua vegetação vermelha
em sua penumbra fresca
e nas vozes íntimas dos queridos
fazendo feijão, pregando um quadro, amansando uma flor
rindo, rindo, rindo
chamando sapos doidos, saborosas manhãs 2012

está aqui a Caroline Nascimento, aplicadíssima em traduzir a Hilda para o inglês numa pesquisa tão densa que volta às coisas mais fundas da busca de Hilda
Carol fica aqui até dezembro, terá toda a hora para aproveitar
este mergulho
na casa e na obra
a obra de Hilda se prolonga na casa
a casa, na verdade, é um órgão da obra
tronco-central, figo-coração
a casa em cada página e as presenças da casa
são partes comum de um projeto de escrita que ultrapassa a si mesmo
esta casa não é apenas a casa de uma pessoa espetacular que aqui veio morar
esta casa foi feita para a obra e para a obra se fazer
cumpriu-se habitar a casa chamar os amigos,
ler na casa a ocorrência dos encotros
a distenção dos músculos,
seus horários de manha e ninar
suas tempestades, seus ecos
a casa vive na obra, a casa faz-se para além de Hilda
guarda dela o espírito, a força, e sacode-se para depois
é realmente um projeto comunitário
fazer a obra interpenetrar-se à casa
e fazer a casa aberta ao tempo comum
a quem vem à casa
a quem a casa vem
estou aqui

Jura toma café ao meu lado
Isadora aparece na presença do cão Nenê
o cão negro siamês dela
Olga dorme
Carol também
vou até ali fora deixar o sol
entrar
pela cavidade clara
da voz



axé!

20121020

notas à 36a MOSTRA I _____ A colônia | dir. SERGEI LOZNITSA | 2001 | Rússia





          este filme pode ser um banho de água fria, mas dos revigorantes; há que ter uma dose de tempo e de ausência de expectativa, ou seja, uma antidose de ansiedade, o que é muito ou pode ser muito difícil. 
          o filme é em preto e branco, mudo. quase-mudo. ouve-se muito as vacas mugindo, os passarinhos, os resmungos das pessoas. mas nenhuma conversa audível, nenhuma fala que se possa compreender. nenhuma nitidez na voz. então é assim: vc, de cara, é lançado nesse mundo, nesse dia, logo depois do título do filme, que não especifica nada (é em russo, eu não falo russo) e pronto. se vc leu a sinopse e sabe que trata-se de um documentário, te digo: isso pouco importa. não há nada que sustente a defesa de ser documentário ou não ser documentário. e essa é das coisas mais interessantes deste filme. documentário? e o documentário não é uma ficção? 
          estamos numa colônia para doentes mentais. mas de verdade: não é tão óbvio assim. além de alguns instantes de close íntimo numa desfiguração paralisada de um rosto capturado pelo nada, além de um balbuciar cadenciado de criança na boca de pessoas idosas, e além da mecanicidade de alguns gestos, exaustivamente repetitivos (mas nós não fazemos isso? e quiçá não faremos mais ainda quando ficarmos velhos?) nada nos atesta a doença mental. as pessoas são muito a gente. ou podem ser, se a gente se libera um pouco dos controles. da mesma forma, nada atesta o documentário. não há uma voz narradora externa, aquele deus ex-machina onisciente que 'explica' o real e o significado das vidas à mostra, não há entrevistas dirigidas ou respostas esperadas, não há uma construção de um espetáculo.      há a morosidade lenta, insidiosamente lenta, de um cotidiano, de pessoas mais velhas, quiçá doentes mentais, numa comunidade rural, em seus afazeres, em seu dia-a-dia. achei digno isso, essa postura da câmera, do diretor: ele não quer explicar o outro, ele não põe legenda sobre a situação. vc fica então tão desamparado como qualquer outra pessoa, que chegasse ali e desse de cara com aquela vida, simultaneamente tão comum e tão estranha. são estranhos que permanecem estranhos. o olhar da câmera não invade a imagem dos outros, apenas roça nela (seremos então o voyeur sádico?). ninguém nos é apresentado, nenhum nome é dito. a gente entra ali de intruso mas permanece com uma certa distância, testemunhando, observando, mudos também. 
          todo o tempo do filme opera essa micro tensão. há horas q aquilo tudo, aquele cenário lindo (sublimado em beleza pelas lentes preto e brancas: relvas, pastos, uma casa de madeira, lenha, batatas, terra, rostos) é incrivelmente apaziguador. (o efeito pb é marca desestabilizadora do diretor, claro. a cena é com doentes mentais mas o cenário é pintado de branco e preto. e ele mostra isso: no mais extremo do documentário - onde uma câmera simplesmente o mais próximo do simplesmente, testemunha, ainda assim, há escolha, há estética, há ficção e há posicionamento ético). nesta hora, acalmados pelas imagens até (ouso) paradisíacas, estamos em utopia, finally? mas utopia pode ser 'isto'? uma colônia de doentes mentais? 
          primeiro me lembrei de Caeiro, e da 'doença de Caeiro'. estamos ali apenas para 'olhar', e não para pensar? pensar é estar doente dos olhos, diria o mestre. mas o que olhamos ali? o que aquele bucolismo carrega? aí vc se lembra de lars von trier (Os Idiotas) de kafka (A Colônia Penal), não só de thomas morus. também me lembrei dos comedores de batata do Van Gogh. e aí o clima muda, dá uma angústia danada estar ali testemunhando essa 'vida besta' mais besta que toda 'vida besta', porque de uma falsa ingenuidade, de uma ingenuidade não dirigida, ou inconsciente, que acaba sendo nada mais do que um abuso de passividade, e aquelas pessoas vão se assemelhando aos bois, vão mugindo como eles. há feixes de tragédia nesse bucolismo mudo. 
          muito difícil. um filme raro, nesse sentido, de desacomodar, desassossegar. eu dormi alguns pedacinhos, confesso (há um marasmo sonolento, e dormir é sempre um jeito de esquecer, ainda mais às 14hs da tarde, numa sala escura e fresquinha). noutros pedaços, eu me vi 'narrando' as cenas, 'fechando-as', concluindo-as, explicando para mim mesma. só ao final que as afirmações narrativas, a esmo, viraram perguntas. porque era simultâneo estar bem e estar mal, ali. 
          o cotidiano de plantar, colher, espalhar o feno, reunir o feno, comer, acordar, etc lembra-nos uma idade média suspensa em cada um, quando a obviedade repetitiva dos dias acorda em nós uma memória de que continuamos os mesmos (orgânicos, repetitivos, desacordados, inúteis, belos, belíssimos). vc perde a referência da utilidade dos gestos, porque há o problema da 'consciência'. (eles escancaram isso: enquanto um está espalhando o feno, o outro está reunindo-o de volta, circularmente, como a roda da fortuna). vc perde a referência da utilidade dos gestos, porque talvez não seja possível nos percebermos construindo 'alguma coisa'. e se percebêssemos, adiantaria? estamos, mesmo, construindo coisas? alguma coisa? edificamos algo sobre a brevidade morosa de nossa organicidade tão próxima da dos bois, da relva, da circularidade dos dias? essa nave louca, então, não é o nosso quintal? porque é que esses homens e mulheres aí na tela seriam mais idiotas do que nós? ou ainda, mais intimamente: em que mesmo somos diferentes? não localizo. nenhuma voz acalma a dúvida. eles não parecem infantilmente livres dentro dessa passividade? não sei. quem é que é livre, afinal?
          não escutamos nada dessas pessoas que são mais pessoas que personagens. personagens somos nós, que testemunhamos isso tudo e depois tomamos sorvete. não sei.  
          o filme certamente mereceria um poema. 
          o filme certamente merecerá um poema.

 
     Comedores de batata. Van Gogh. 1885 (Museu Van Gogh - Amsterdã)
          

20121017

F A N T Á S T I C O _____________________ Kafka, por Piotr Dumala






julia de carvalho hansen, o túnel e o acordeom


li no sítio, com a Tuca ao lado, no chão, nós duas
luz sem luz, na tela mesmo, do computador
vontade de imprimir tudo (sempre vem), e espalhar pelo chão e ir catando percursos (recheios)
como uma lontra subterrânea, esse animal pequeno que eu via ali
e era uma pessoa pequenina ou um buracão tão grande ?
muitas vezes um passarinho ou um peixe que nada na terra
um peixe que nada na terra
um peixe
que nada na terra
que nada
na terra

me emocinou. a julia me emociona. e copiei:
"estou tão insegura. Como se não conhecesse o leite. E outras coisas vitais". (julia)

ah
depois mais digo...
por hora
resta aqui
(vem?)
(vem fundo?)
(comigo?)
com ela
aqui: http://issuu.com/juliahansen/docs/otuneleoacordeom


O TÚNEL E O ACORDEOM
Fundação Porto | Dez 2010

20121011

revista CRETA # 1 ___________ ! revistacreta.com


chegou nasceu uau brotou: a revista CRETA, que a Ana Pands (aquela mujer-peixe-pássaro-mutante-etc) que assina também o 'júpiter, saturno', inventou

todos nós enfiamos a cabeça no chão da cidade e ficamos assim de cabeça para baixo
olhando os automóveis flutuantes
e a selvageria de um desejo de rio
respirando reversivelmente a cidade

venha ver:


deixei lá, poema e carta,
nas páginas 68 - 69
sim, 68 - 69
e também página
70

eu já sei o que vou fazer: arrumar papel lustroso bem bonito bem cruelmente bonito
e vou imprimir a revista inteira
porque eu sou ainda daquela hora de pôr as mãos
com caneta em riste e punho solto eu quero
pôr as mãos
nisso tudo

ô boniteza essa revista. coisa que a cidade (m)ama.
gracias, ó ana pands. gracias. e convida-me à próxima
viagem
a Creta



agora, abaixo: o texto de apresentação de ana, e o link da revista, aqui e acolá:

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“O que estamos fazendo?” é a pergunta central do livro “A Condição Humana”, de Hannah Arendt, que estou lendo e relendo desde 2010 (Editora Forense Universitária, tradução de Roberto Raposo). No prefácio, ela diz:
“(…) tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. (…) O que proponho nas páginas que se seguem é uma reconsideração da condição humana à luz de nossas mais novas experiências e nossos temores mais recentes. É óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de ‘verdades’ que se tornaram triviais e vazias – parece ser uma das principais características de nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.”
A partir daí, a filósofa analisa três condições humanas fundamentais e as atividades relacionadas a elas. A primeira é a própria vida, ou seja, o fato de, ao que tudo indica, estarmos vivos, e a atividade relacionada à vida é chamada por Hannah de LABOR, ou seja, a reunião de nossos esforços pela manutenção do ciclo vital – se alimentar, descansar. Somos 7 bilhões de pessoas cuidando como podemos de nossos ciclos vitais no mundo, e partilhamos esta condição com os animais, plantas, fungos e todos os seres vivos. A segunda condição é essencialmente humana, diz respeito à artificialidade de nossa existência: se, por um lado, tanto um botão de girassol, um filhote de arara azul e uma menina chamada Tereza partilham as necessidades de água, alimento, ar, luz e sombra para se manterem vivos, apenas Tereza precisará de instruções para ingressar num mundo artificial e simbólico, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural, obra da criação e do trabalho dos homens. Esta condição é chamada por Hannah de mundanidade, e a atividade relacionada a ela é o TRABALHO. Trata-se do ato de retirar da natureza a pedra, o barro, os eucaliptos, as mandrágoras, os cristais, o silício e transformá-los em pontes, remédios, livros, ferramentas, computadores, guitarras, obras de arte. Este mundo em que vivemos é público, comum, compartilhado e transcende nossas vidas individuais: já estava aí quando chegamos e vai sobreviver à nossa morte (na medida em que cuidarmos dele e impedirmos que uma mesa, uma catedral gótica, o MASP, o Beijo de Rodin e o Dom Quixote voltem a ser apenas pedra, madeira, mármore e celulose). Tereza precisa ser educada para ingressar nesse mundo artificial, precisa aprender a usar a linguagem, um martelo, um computador. A terceira condição humana fundamental é a da pluralidade: “o fato de que homens, e não o Homem, vivem na terra e habitam o mundo”. Vivemos no plural, e a atividade relacionada a essa condição é chamada por Hannah de AÇÃO. É esta a condição de toda a vida política, é ela que faz a história. Somos “todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir”. Quando um homem se arrisca, vai a público e toma a palavra, está agindo e mostrando quem é, na singularidade de sua existência. Assim, por meio da ação e do discurso, este homem pode fazer história, alterar o estado das coisas – e vamos nos lembrar dele.
Não pretendo aqui comentar longamente a obra de Hannah Arendt (embora ainda queira fazer isso algum dia), mas esta breve introdução serve para salpicar algumas das reflexões que estão por trás da criação desta revista. Quando trabalhamos apenas para manter o ciclo vital (pagar aluguel), não estamos confundindo LABOR e TRABALHO? Se tomamos a palavra para dizer quem somos apenas entre nossos iguais, “na internet”, não se trata de uma absurda diminuição de nossas capacidades de AÇÃO? E quanto a conhecer mais a fundo nossa própria história, entender por que as coisas ficaram como estão, tanto as desigualdades quanto as obras de brilhantes talentos? Às vezes, no ônibus cheio, respirando o mesmo ar, num corredor de passagem que vai de um ambiente individual a outro ambiente individual, não dá vontade de saber quem são essas pessoas, como se chamam seus tios, onde passaram a infância, como estão aplicando suas forças e inteligência…? E conversando sobre isso com amigos, a discussão cresceu. Então, a ideia inicial da revista era a de unir essas reflexões flutuantes, e ver no que podia dar.
Surgiram memórias, projetos, dúvidas. Guinchos de dinossauros e bicicletas montadas de restos de outras bicicletas. Receitas de pasta de beringela, retirantes, angústia, rodízio, proposta de limitação da vida útil das buzinas. Vontade de nadar e voar, fitas K7, esconderijos, fotos, luz, nuvens, sexo bêbado, convites para um fim de semana no Guarujá. Física estática, poemas e gambiarras. Um estudo sobre a evolução do carro popular, uma ode ao ato de andar a pé. Oráculos computadorizados, famílias, coturnos. Pessoas discutindo o que fazem, sabem e experimentam. Diante de tamanha diversidade, a revista foi organizada nas seguintes partes:
parte 1, mãos coração & olhos:ou mãos + coração = ação (projetos, ideias) e mãos + coração = contemplação (olhar elétrons, olhar a luz, olhar pra trás)
parte 2, pés (limpos & sujos):
o trânsito, os carros, andar a pé, voar
parte 3, estômago, tripas & saco:
crítica, palavrão, receita de pasta de beringela e erotismo
parte 4, cabeça, sobrancelhas & garganta:teses, memórias, narrativas, especulação
parte 5, pulmão
respirar, tocar trompete, viver
Seja bem-vindo e leia a revista.
O índice de todos os colaboradores com respectivos links para seus belos trabalhos estáaqui.
Beijos,
Ana Pands
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20121010

astrologia e literatura: nas órbitas de Pessoa




Começo esta fala dizendo da afeição que tenho pelo assunto, em todos os seus aspectos. Durante o tempo em que venho estudando e lendo temas da astrologia cada vez mais fico encantada com a riqueza dessa linguagem antiquíssima do homem. Este meu trajeto de estudo foi sempre combinado e entrecortado por diversos outros, como, com mais afinco, História e Literatura. Daí, talvez, eu ter sempre gostado de ler a astrologia, sobretudo, como uma linguagem. A imagem de uma via láctea visível na noite com seu alfabeto de estrelas me deixava, e deixa, propensa à poesia, propensa às viagens mais densas do imaginário, diante de um obscuro papel em branco, que é o céu, ilimitado. Desde que ficamos em pé, miramos estrelas. E nosso primeiro poema, numa pedra, deve ter sido o sinal de um sol, um corpo da lua, um laivo de marcos cintilantes, perspectivados em nosso olho, em nossa dimensão, naquilo que chamamos ‘o real’. Foi olhando o céu que começamos a escrever, e escrevendo o céu nós o inventamos, assim como, talvez, tenhamos percebido que nós também somos, como o céu, matéria ardente de nossa própria invenção. O céu, esse imenso convite à navegação, me pareceu, desde pequena, como uma língua secreta, nem estrangeira nem legível, mas prenhe de signos e sinais das coisas que ultrapassam tempo, espaço, compreensão. As estrelas formavam frases na língua que eu inventava para elas, antes mesmo de descobrir os outros versos que tantas pessoas já lhes haviam dedicado. Nomes, desenhos, rotas: Perseu, Cruzeiro do Sul, o califado das Plêiades, a suntuosa calda do escorpião, os vasos despejando água, rosas e leite e mel ao redor de abelhas, numerais de um tempo esquecido... o céu se mostrava um mapa de potentes desvendamentos, que, para além do visível, a astrologia nomeou e lhe deu uma história, uma linguagem. Aberta, errante.
Não me interessa, portanto, em relação à astrologia, pensar em termos de crenças, fidelidades, dogmas, ortodoxias. O que me fascina nisso tudo é sua história milenar e contínua, tão viva para os babilônios quanto para nós, linguagem que se estica e transforma, linguagem-polvo que muito se aproxima da arte, com seu desejo de interrogação das coisas e seu sonho de descoberta das ‘correspondências’ entre tudo. Não pede exatidão: pede lirismo, a astrologia. Seu leque de abordagens pode ir de uma exímia matemática às narrativas dos grandes mitos das mais diversas culturas. É o seio da linguagem humana, nosso primeiro murmúrio, nosso primeiro espelho móvel. E, como toda linguagem, é arbitrária. E, como toda linguagem, carrega em si o magma da busca, busca que nos leva a nomear as coisas e a esquecer-lhes o nome, e assim, renomeando-as novamente, numa troca constante com a vida e com o vivo, numa relação simbólica com a existência. A astrologia que eu amo, eu compreendo como um sistema de sinais com que dizemos o nosso nome e o que há de oculto nele e em nós.
Essa plasticidade da linguagem astrológica muito se aproxima e se enlaça daquilo que entendo como ARTE, que num amplo sentido, propõe-se a dar e fazer-se imagem transformada e em transformação de nosso curso, de nossa precariedade, de nossos registros. Essa grande interrogação do infinito: o que há para além e aquém daquilo que mediamos e nomeamos? Como compreender o nosso vínculo e a nossa diferença com as forças que nos rodeiam? Como entender a nós mesmos nesse nosso espelho íntimo, que é a linguagem? Até onde eu me digo ou as coisas me dizem? O que é que o céu me diz? Toda essa inquirição existencial, digamos, que está no bojo de cada primeiro verso e de todo último poema, talvez queira que, entre o começo e o fim da página em branco com que passamos a vida, uma breve imagem maravilhosa possa se dar, devolvendo-nos para além do nosso terror e suspeita cotidianos, uma sensação de alargamento do real. Dar boca às estrelas, colocá-las a cantar, como tem feito o homem desde que se sabe um ser de linguagem, é um exercício de considerar. Com + siderar, ou seja, rodar junto, existir em rodao na matéria movente que somos e que é, bater ritmado o corpo, ter um pulso-coração. É por isso que aprendemos que a ausência do ritmo pode ser um desastre. Estar atento ao céu, ao nosso céu, aquele que inventamos e que nos estimula a rodar, aquele que nos desafia e empreende em nós grandes jornadas, é uma maneira de nos ‘considerarmos’ humanos, comuns, siderados.
O desejo de conhecer possíveis correspondências entre nós e o mais que há em nós nos fez seres de linguagem. E quantas línguas podemos falar? E quantas línguas haverá? Cada linguagem humana carrega em si uma demanda de beleza, entendimento, consideração. Porque eclipsar o conhecimento que cada uma tem? Por que estigmatizar qualquer linguagem humana? Lendo o céu e seu tapete alado, inventariamos os sonhos que temos desde antes de podermos falar, fazemos do céu um Grande Livro ou Grande Poema onde cada um constelará um rosto, um retrato, um desejo, um pedido, uma história...
Fernando Pessoa, antes e depois do imenso Gênio que é, foi, sobretudo um homem que buscou ultrapassar o desastre da ortodoxia. Seu projeto de obra, que culmina no ponto áureo da heteronímia, foi um projeto contra qualquer preconceito quanto às diferentes formas de conhecimento, suas diferentes linguagens. Por isso, sempre que se dizia ou se afirmava algo, Pessoa, em seguida, no mesmo verso, se contradizia e se negava. Seu nome é um imenso buraco negro, uma grande Máscara, que abrigou uma constelação de escritas e gêneros literários, um povoado de seres absolutamente estranhos e diferentes entre si. Tudo está ali, nessa experiência escrita que foi Fernando Pessoa.
Ele é, portanto, um exemplo de um criador amoral¸ extremamente ético, que sabe que toda linguagem é uma compota de sonhos e de vazios, de ilusões e de fabricação do real. Pessoa vai investir seu trabalho, portanto, nesse tema que é um dos mais densos e inquietantes da arte que é o da metalinguagem, a investigação dos limites e dos reflexos das linguagens que usamos. Ele sabia que para ser outros precisava sê-los em linguagem, em linguagens, digamos. Experimentou o cristianismo, o gnosticismo, a cabala, os ensinamentos templários, o rosacrucianismo, a dúvida, a ironia, o ceticismo, a monarquia, o republicanismo, a sexualidade, a assexualidade, o tédio, a euforia, o patriotismo, o deboche com a pátria, a solidão, a amizade, os mitos, os astros, os folhetins, as palavras-cruzadas: hoje sabemos que Pessoa teve mais de 70 heterônimos. Com 7 anos, veio um tal de Chevalier des Pas, com quem dialogava. Depois, Alexander Search, um poeta de língua inglesa afeiçoado aos cultos satanistas do ocultismo do fim do século XIX; ainda depois, um tal Vicente Guedes, tradutor; um tal Dr. Gaudêncio Nabos, humorista e jornalista;  um outro chamado Barão de Teive; um Joaquim Moura Costa, poeta satírico; ainda, o nosso Bernardo Soares, do Livro do Desassossego; António Mora, filósofo que teorizou o neopaganismo; e, além desses e outros, a tríade fundamental de sua poética: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. E ainda, é claro, o seu ‘heterônimo astrólogo’, chamado Raphael Baldaya.



Na imagem disposta acima, vemos o mapa do poeta feito por si próprio e uma nota tirada do espólio de Pessoa (Biblioteca Nacional de Lisboa) em que ele se apresenta como R. Baldaya, informando o tipo de trabalho que faz como astrólogo e ainda coloca os preços das consultas! Provavelmente essa nota teria sido feita para ser veiculada em anúncios de jornais. É curioso notar que Pessoa a escreve em inglês, e como diversos dos mapas e estudos astrológicos que fará também assim serão, mesclas de inglês com português, vemos mais uma mostra dessa vontade de muitas línguas e domínio delas, como se ele mesmo fosse um grande orquestrador desse ‘drama em gente’, dessas pessoas e línguas que o habitam.
O interesse de Pessoa pela astrologia parece vir desde cedo, mas as primeiras notas que encontramos no seu espólio vem de 1908 – 1909, quando ele contava com 20 anos. Além de, portanto, empregado em firmas comerciais (nas quais ele cumpria a função de redator de cartas comerciais ao estrangeiro), Pessoa também exerceu o ofício de astrólogo. Há, em sua arca, mais de 470 fragmentos dedicados à astrologia: de teorias astrológicas a diversos mapas astrais que ele levantou, além de correspondências com estudiosos do assunto de outros países, como por exemplo, o mago-místico-exótico Aleister Crowley, que foi até Lisboa conhecer aquele sujeito que havia lhe dado, por cartas, sugestões a respeito de seu mapa.  Dos mapas levantados por Pessoa, constam os de D. Sebastião, Shakespeare, Milton, Goethe, Napoleão, Baudelaire, Mussolini, Salazar, entre outros.
Há uma ocasião curiosa e que convém aqui narrar, para que fique visível o lugar que a astrologia ocupou no dia-a-dia de Pessoa, ao longo de toda sua vida, e com especial ênfase nos anos 1909 – 1915. Em 24 de julho de 1915, Pessoa escreve uma carta ao editor do livro de Alan Leo “Mil e uma natividades notáveis”, pedindo-lhe que lhe envie o mapa de Francis Bacon, o filósofo, escritor e ensaísta do séc. XVI. Pessoa, nesta carta, se apresenta como ‘estudante de astrologia’ e diz que, lendo o livro de Alan Leo, havia ficado curioso em relação às notas sobre o mapa de Francis Bacon, pelas seguintes razões: (diz Pessoa) “Meu principal interesse [no mapa de Bacon] está no desejo de ver o que, no horóscopo dele, registra sua peculiar característica de ser capaz de escrever em diferentes estilos e sua habilidade para ‘transpersonalização’ (...). Eu também possuo estas características. Sou escritor, e sempre achei impossível escrever com a minha própria personalidade. Sempre me peguei, conscientemente ou não, assumindo o caráter de alguém que não existe, sob cuja intervenção imaginária me ponho a escrever” (BNP/E3, 114-60).
Ora, Pessoa é um geminiano, com ascendente em escorpião e lua em leão. Desde o princípio do projeto ‘consciente’ e ‘autoral’ da heteronímia, que envolve portanto, a criação estética de Caeiro, Reis e Campos, ele esteve buscando-a, também, na astrologia. Astrologia e literatura são engrenagens amantes que, na obra de Pessoa, levam uma à outra, e irradiam um verbo luminoso. É fantástico como ele pôs em prática essa despersonalização geminiana, símbolo de uma mente ágil e inquieta que quer conhecer tudo de todas as maneiras. A qualidade aérea de gêmeos, somada à densidade líquida do ascendente em escorpião, fez com que esse desenho astral de si mesmo se disseminasse num dos projetos estéticos mais radicais e ambiciosos (como convém a uma lua leonina) do século XX. Pessoa, somando, portanto, Gêmeos, Escorpião e Leão, conforme a sua compreensão destes signos, será o investigador das grandes descidas a mando de uma Grande Obra: a curiosidade mental envolvendo o mistério do nascer e do morrer, buscando uma maneira de transformar-se em figura capital, ou Supra-Camões, de seu tempo. Esta faceta será mais visível naqueles poemas assinados por ele-mesmo, ou seja, Fernando Pessoa ortônimo, como por exemplo este: 



Gêmeos, regido por mercúrio, fala-nos desse mensageiro, esse emissário, esse sujeito que é apenas voz onde a mensagem (de alguém desconhecido) se processa... o autor, o poeta, é aqui entendido como esse mensageiro, que cumpre “informes instruções de além”, ou seja, cumpre ordens que desconhece, está a serviço do desconhecido. Não é, aqui, possível uma unidade de compreensão, uma compreensão total deste ser, já que ele se manifesta enquanto tradutor de uma outra voz, que se desconhece... Rei, Deus, alguém? Não se sabe... Não se sabe mesmo se “existe o Rei que me mandou”. Tudo é dúvida e mistério, uma linda tradução em poema de uma abordagem de sua própria carta natal e dos sinais milenares que a astrologia nos oferece como linguagem criativa. No poema, e em toda a obra do Fernando Pessoa ele-mesmo (o ortônimo) transparece-nos esta atmosfera de névoa e indefinição, em que o sujeito se busca e se erra, sentindo as coisas atravessarem-no. Essa bruma de um aquém ou além vida, à qual a sensibilidade escorpiana está sempre ligada, encontrará expressão na dúvida e no paradoxo que experimenta o sol geminiano. Outro exemplo dessa navegação poética que Pessoa realizou a partir de seu próprio mapa está neste outro poema do qual leremos apenas um excerto:


Só com o primeiro verso já podemos vislumbrar um exercício poético fantástico de concisão com seu mapa astral: “Meu pensamento é um rio subterrâneo”... Se gêmeos é o signo do pensamento múltiplo, que não cessa de voar pra cantos diversos, um pensamento incessantemente outro, escorpião nos fala dessa atmosfera úmida e fria dos rios subterrâneos, os pântanos, as águas quase paradas e quietas que nos expõem a nossa própria escuridão. É dentro desta paisagem, que podemos dizer que, sim, vem sim de um imaginário astrológico, que Pessoa anunciará uma estética e uma Obra.
E como ele é muitos, é vário, também seus heterônimos terão seus mapas astrais. Depois de existirem como poema, existirão como desenho do céu. Vê-se novamente: o duplo motor possível no elo entre a linguagem poética e a linguagem astral. Vejamos o que dirá Pessoa a respeito da feitura desses mapas, dos heterônimos, e como ele nos diz da importância de Caeiro a partir de seu mapa natal, Caeiro que será considerado seu mestre e mestre de Ricardo Reis e Álvaro de Campos:






Quem é que perguntará se Caeiro deveras existiu? Cabe essa pergunta? Pessoa aqui parece rir ou motejar de quem espera da astrologia mais do que o imenso motivo de dar alma à alma. Ele entendeu em si essa envergadura estética e ética que se chamou Alberto Caeiro, e esse não só lhe ensinou como ensinou aos outros que nele habitavam. Como não ver nisso tudo uma amostra visível e palpável de uma constelação? Pessoa, no entrelaçar de astros e literatura, além de diversos outros assuntos e temas e formas de conhecimento, nos legou um exemplo genial de que tudo se soma, tudo se toca, tudo é válido como maneira de compreensão da existência, desde que nenhuma das formas e forças se excluam, desde que tudo conviva tenso no drama paradoxal do maravilhamento e da dúvida. Pessoa constelou diversos saberes e foi o que é, nosso maior poeta.
Caeiro será mestre porque está relacionado ao fogo e ao número 1, número de Áries ou do Carneiro (Ca-rn-eiro), com o ascendente também ígneo posto em Leão. O signo de Áries, em linhas gerais, é aquele relacionado à visão pura, à visão da infância, que sabe se encantar com o exatamente real, sem se inquietar com o que possa haver dentro, através, ou fora do visível. O campo do real e da realeza de Caeiro será o campo do visível. E ele será mestre porque deixará poemas que nos ensinam a ver, a ter o olhar nítido como um girassol, direto, claro, transparente.  Essa inocência sonhada, quiçá, seja aquela que arrebanhará todo amante da linguagem, esse desejo de que o visível e o dito, a coisa e seu nome se façam um só, óbvio, bom e indubitável real. Em Áries é curta a distância entre visão, pensamento e ação: há aqui uma ‘espontaneidade’ quiçá perdida, essa saudade de uma via simples. Dentro de um Pessoa, aquele que visitamos brevemente, guiado por uma voz misteriosa e inefável, que o enche de bruma e névoa, há este desejo solar de uma infância prolongada, chamada Alberto Caeiro. E tudo isso feito do abraço de mapas e palavras, céus e símbolos, linguagem e linguagem: as miríades de nossa voz múltipla cortejando o mundo e a matéria do vivo em que vivemos, respiramos e deixamos um verso.



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obs. este texto foi lido no PLANETÁRIO DE SÃO PAULO (Ibirapuera) na noite de 2 de outubro de 2012. Fez parte da programação paralela da 30a Bienal de São Paulo, e eu lá cheguei pelo convite do meu querido Fernando Marques Penteado, que está lá, radiante, com sua casa têxtil, com seu mapa celeste entretecido, bem ao lado do Bispo do Rosário, num lindo-enlace, que é como deve ser. Lá na Bienal. Vai ver, te digo. Agradeço ainda ao Walmir Cardoso e João Paulo Delicato, astrônomos atentos, que nos mostraram que a constelação de escorpião é também uma enorme ema ou ainda uma cascavel e ainda tanto mais. De volta aqui, ao texto, te digo também: como é um texto que foi feito para ser lido, guarda essa marcação oral. E, sim, além de falante é um texto brevíssimo, coube a mim uns 20 minutos mais ou menos, e 20 minutos mais ou menos é um sopro de areia dentro dessa arca monumental chamada Fernando Pessoa. Peço perdão por isso. Caiero é deveras tão mais complexo que um girassol. Tão complexo quanto. O que não coube na voz nesta noite. De todo modo, o que mais do que querer falar e falar sobre Pessoa e astrologia? A noite foi linda. O planetário povoado. O céu aberto. Projetar mapas e poemas na noite densa da abobadada cúpula dos olhos, isso não se esquece. Agradeço-te Fernando. Por essa noite, e essa amizade que chega. Deixei lá (e agora fica aqui) apenas a carmina, o encanto, de enunciá-lo: C A E E E E I R O... E deixo a deixa de que tudo segue no arado. Astrologia + Pessoa são paixões arcaicas, suficientemente para toda a vida, até o fim. Assim assado, quem quiser seguir nesse papo comigo, estou chamando, de mãos soltas, o encontro. Sim. 



20121001

Pessoa e seu longo poema astral



amanhã
às 20hs
estarei no PLANETÁRIO DE SP / Ibirapuera (!)
descortinando fio de estrelas
ao lado do mago-poeta
Fernando Pessoa
e de amigos mais


estou em estado de febril graça
com isso que será prazer e vida

e deixo-me nesta noite
a contemplar o painel (abaixo) de Lima de Freitas
que lá vi, na estação do Rossio...
soberba leitura de Pessoa
e seu 'caminho da serpente'
que foi também um gesto de
abrigar
tudo e todos
nesta morada breve
que fita o céu
de um íntimo
e movente
abismo


salve o 2 de outubro de 2012!



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CONVITE

02 Out 20h00Parque do Ibirapuera - PLANETÁRIO



Diálogo performático sobre constelações entre o artista f.marquespentado, os astrônomos João Paulo Delicato e Walmir Cardoso e a poeta Roberta Ferraz


Confira o que os convidados pretendem explorar no evento:

João Paulo Delicato e Walmir Cardoso
“Em determinadas tradições se diz que o céu influencia as pessoas, mas acreditamos que ocorre justo o contrário: o céu é influenciado por nossa maneira de enxergar o mundo e de concebê-lo. Nós atribuímos os significados para as imagens que construímos socialmente, coletivamente. Seria, no mínimo, exercício de presunção imaginar que o significado concedido por nós a essas imagens são universais. A experiência e o contato com as mais diversas culturas do planeta mostram que a contemplação do Céu é uma experiência local e cheia de significados diferentes para quem observa. Resta-nos, portanto, admitir que olhar o céu a partir de uma única matriz cultural é um ato de empobrecimento da experiência do diverso, tão cara e importante como exercício da diversidade cultural que a paisagem celeste apresenta. Esse é o grande motivador dessa experiência sensorial e científica proposta pelo Planetário de São Paulo e pela Fundação Bienal.”

f.marquespenteado
“Anotações biográficas é a estratégia que vou me ater para comentar sobre algumas passagens que cientistas que me são caros exploraram e, com isso só fizeram por alargar em minha imaginação o entender, o pressentir o Cosmos. Entre outras conexões, uma reflexão de Rudolf Steiner e um manifesto de Konrad Lorenz serão estrelas fulgurantes desta fala animada por imagens. Constelações, a abóboda celeste, o refletir por entre os 360% que constituem a pluralidade que é o livre pensar são algumas das entradas que compõe esse encontro, essa noite afável, inconclusiva, que espera por ti. Eu divido esse trajeto com a fala da querida Roberta Ferraz, ela que apresenta um painel sobre a astrologia por entre a figura de Fernando Pessoa e a sua resplandecente criação, a que ilumina caminhos, incansável a cada leitura. Desde já boas noites e um até lá.” 

roberta ferraz
Nas órbitas de Pessoa - por Roberta Ferraz
Astrologia e literatura têm e tiveram, ao longo de suas vidas, fortes laços amorosos. A contemplação ativa do céu, abrindo nele um lençol metamórfico de histórias, as aproxima, as conjuga. Um dos poetas que sempre estiveram próximo desta atenta arte de observação dos astros foi Fernando Pessoa, que construiu em vida um imenso projeto de experimentação poética, no qual orbitavam elementos e interesses dos mais díspares, sendo um deles a astrologia. Muito mais do que compreensão advinhatória do destino humano, a astrologia muitas vezes pode ser alma e motor de suas criações. Não por acaso, o poeta deixou feitos, de próprio punho, os mapas astrais de seus heterônimos, dando àquelas vidas poéticas um registro astral que os aproximassem do humano, uma data de nascimento, ainda que fictícia.
Passearemos, nesta noite, por uma série de desenhos de mapas astrais, feitos pelo próprio Pessoa, e os conjugaremos com a leitura de trechos de seus poemas. Veremos então a formação de constelações desdobráveis, feitas da soma, sobreposição e imbricação destas duas linguagens: a poética e a astrológica. Arsenal de tempos, ritmos, qualidades, adjetivos, substâncias, as histórias do céu, contadas há milênios pela astrologia, se tornam, nas mãos do poeta, cantos compostos, jogo coral, gente em cena, mito renovado: poema.


Esse evento conta com a parceria cultural do Planetário de São Paulo - Ibirapuera.

Lotação: 280 pessoas
Distribuição de senhas no local 1h antes do evento
Entrada gratuita.
Informações: +55 11 5576.7600
contato@bienal.org.br