20121031
presságio
em dia de lua
por mais que dia azulíssimo
lua por detrás, e cheia
contra o sol, par
emparelhado por uma
terra
no meio
em dia de lua
cheia e alotrópica
tirar uma carta
do tarô antigo
e a carta ser 13
além de outras
que dizem sinais
força disciplina
coragem
coisas que as cartas
tiram das mãos
para sobreviverem
cartas
não bastasse o susto
de uma longa
tristeza funda chamada
segunda-feira
ter sido
durante
todo este tempo
não bastasse
em dia de lua
entrar num bicho metálico
que voa e atravessa
oceanos e órgãos
hipnotisada por um calmante
drink-poema
cristalizada numa forma enfim
sucinta à crise
e à despedida
vou
até o onde
seja lá
que me
espere
aderente
sonora
sonífera
sem resistências
beijar-te
20121026
solarium
novamente, inteiriço dia, aqui,
onde mora o sol feliz em estar aqui já no calor, no bafo quente do interior,
no marasmo primaveril em que pássaros
são constantes cantos vim, rapidíssima,
estou aqui e sabendo no corpo e nos órgãos
que um dia é um dia inteiro
com o texto na mão, agora manhã,
depois do café preto vou até a figueira, com o texto na mão
a caneta azul porque azul é como o desejo é como o mar
é como a nudez do sol no mar
com a caneta azul rabiscar os brancos da fala de Teresa-Joana
nisso que se faz, AGONIA FEBRE-FULGOR
nisso que se adensa, míngua para mais
os cães dormem, torpor de sol demais
mesmo a manhã é já alta tarde, sol imenso
e dentro uma leveza, a casa, a casa, a casa viva,
em sua respiração lenta sem oscilar
em sua vegetação vermelha
em sua penumbra fresca
e nas vozes íntimas dos queridos
fazendo feijão, pregando um quadro, amansando uma flor
rindo, rindo, rindo
chamando sapos doidos, saborosas manhãs 2012
está aqui a Caroline Nascimento, aplicadíssima em traduzir a Hilda para o inglês numa pesquisa tão densa que volta às coisas mais fundas da busca de Hilda
Carol fica aqui até dezembro, terá toda a hora para aproveitar
este mergulho
na casa e na obra
a obra de Hilda se prolonga na casa
a casa, na verdade, é um órgão da obra
tronco-central, figo-coração
a casa em cada página e as presenças da casa
são partes comum de um projeto de escrita que ultrapassa a si mesmo
esta casa não é apenas a casa de uma pessoa espetacular que aqui veio morar
esta casa foi feita para a obra e para a obra se fazer
cumpriu-se habitar a casa chamar os amigos,
ler na casa a ocorrência dos encotros
a distenção dos músculos,
seus horários de manha e ninar
suas tempestades, seus ecos
a casa vive na obra, a casa faz-se para além de Hilda
guarda dela o espírito, a força, e sacode-se para depois
é realmente um projeto comunitário
fazer a obra interpenetrar-se à casa
e fazer a casa aberta ao tempo comum
a quem vem à casa
a quem a casa vem
estou aqui
Jura toma café ao meu lado
Isadora aparece na presença do cão Nenê
o cão negro siamês dela
Olga dorme
Carol também
vou até ali fora deixar o sol
entrar
pela cavidade clara
da voz
axé!
onde mora o sol feliz em estar aqui já no calor, no bafo quente do interior,
no marasmo primaveril em que pássaros
são constantes cantos vim, rapidíssima,
estou aqui e sabendo no corpo e nos órgãos
que um dia é um dia inteiro
com o texto na mão, agora manhã,
depois do café preto vou até a figueira, com o texto na mão
a caneta azul porque azul é como o desejo é como o mar
é como a nudez do sol no mar
com a caneta azul rabiscar os brancos da fala de Teresa-Joana
nisso que se faz, AGONIA FEBRE-FULGOR
nisso que se adensa, míngua para mais
os cães dormem, torpor de sol demais
mesmo a manhã é já alta tarde, sol imenso
e dentro uma leveza, a casa, a casa, a casa viva,
em sua respiração lenta sem oscilar
em sua vegetação vermelha
em sua penumbra fresca
e nas vozes íntimas dos queridos
fazendo feijão, pregando um quadro, amansando uma flor
rindo, rindo, rindo
chamando sapos doidos, saborosas manhãs 2012
está aqui a Caroline Nascimento, aplicadíssima em traduzir a Hilda para o inglês numa pesquisa tão densa que volta às coisas mais fundas da busca de Hilda
Carol fica aqui até dezembro, terá toda a hora para aproveitar
este mergulho
na casa e na obra
a obra de Hilda se prolonga na casa
a casa, na verdade, é um órgão da obra
tronco-central, figo-coração
a casa em cada página e as presenças da casa
são partes comum de um projeto de escrita que ultrapassa a si mesmo
esta casa não é apenas a casa de uma pessoa espetacular que aqui veio morar
esta casa foi feita para a obra e para a obra se fazer
cumpriu-se habitar a casa chamar os amigos,
ler na casa a ocorrência dos encotros
a distenção dos músculos,
seus horários de manha e ninar
suas tempestades, seus ecos
a casa vive na obra, a casa faz-se para além de Hilda
guarda dela o espírito, a força, e sacode-se para depois
é realmente um projeto comunitário
fazer a obra interpenetrar-se à casa
e fazer a casa aberta ao tempo comum
a quem vem à casa
a quem a casa vem
estou aqui
Jura toma café ao meu lado
Isadora aparece na presença do cão Nenê
o cão negro siamês dela
Olga dorme
Carol também
vou até ali fora deixar o sol
entrar
pela cavidade clara
da voz
axé!
20121020
notas à 36a MOSTRA I _____ A colônia | dir. SERGEI LOZNITSA | 2001 | Rússia
este filme pode ser um banho de água fria, mas dos revigorantes; há que ter uma dose de tempo e de ausência de expectativa, ou seja, uma antidose de ansiedade, o que é muito ou pode ser muito difícil.
o filme é em preto e branco, mudo. quase-mudo. ouve-se muito as vacas mugindo, os passarinhos, os resmungos das pessoas. mas nenhuma conversa audível, nenhuma fala que se possa compreender. nenhuma nitidez na voz. então é assim: vc, de cara, é lançado nesse mundo, nesse dia, logo depois do título do filme, que não especifica nada (é em russo, eu não falo russo) e pronto. se vc leu a sinopse e sabe que trata-se de um documentário, te digo: isso pouco importa. não há nada que sustente a defesa de ser documentário ou não ser documentário. e essa é das coisas mais interessantes deste filme. documentário? e o documentário não é uma ficção?
estamos numa colônia para doentes mentais. mas de verdade: não é tão óbvio assim. além de alguns instantes de close íntimo numa desfiguração paralisada de um rosto capturado pelo nada, além de um balbuciar cadenciado de criança na boca de pessoas idosas, e além da mecanicidade de alguns gestos, exaustivamente repetitivos (mas nós não fazemos isso? e quiçá não faremos mais ainda quando ficarmos velhos?) nada nos atesta a doença mental. as pessoas são muito a gente. ou podem ser, se a gente se libera um pouco dos controles. da mesma forma, nada atesta o documentário. não há uma voz narradora externa, aquele deus ex-machina onisciente que 'explica' o real e o significado das vidas à mostra, não há entrevistas dirigidas ou respostas esperadas, não há uma construção de um espetáculo. há a morosidade lenta, insidiosamente lenta, de um cotidiano, de pessoas mais velhas, quiçá doentes mentais, numa comunidade rural, em seus afazeres, em seu dia-a-dia. achei digno isso, essa postura da câmera, do diretor: ele não quer explicar o outro, ele não põe legenda sobre a situação. vc fica então tão desamparado como qualquer outra pessoa, que chegasse ali e desse de cara com aquela vida, simultaneamente tão comum e tão estranha. são estranhos que permanecem estranhos. o olhar da câmera não invade a imagem dos outros, apenas roça nela (seremos então o voyeur sádico?). ninguém nos é apresentado, nenhum nome é dito. a gente entra ali de intruso mas permanece com uma certa distância, testemunhando, observando, mudos também.
todo o tempo do filme opera essa micro tensão. há horas q aquilo tudo, aquele cenário lindo (sublimado em beleza pelas lentes preto e brancas: relvas, pastos, uma casa de madeira, lenha, batatas, terra, rostos) é incrivelmente apaziguador. (o efeito pb é marca desestabilizadora do diretor, claro. a cena é com doentes mentais mas o cenário é pintado de branco e preto. e ele mostra isso: no mais extremo do documentário - onde uma câmera simplesmente o mais próximo do simplesmente, testemunha, ainda assim, há escolha, há estética, há ficção e há posicionamento ético). nesta hora, acalmados pelas imagens até (ouso) paradisíacas, estamos em utopia, finally? mas utopia pode ser 'isto'? uma colônia de doentes mentais?
primeiro me lembrei de Caeiro, e da 'doença de Caeiro'. estamos ali apenas para 'olhar', e não para pensar? pensar é estar doente dos olhos, diria o mestre. mas o que olhamos ali? o que aquele bucolismo carrega? aí vc se lembra de lars von trier (Os Idiotas) de kafka (A Colônia Penal), não só de thomas morus. também me lembrei dos comedores de batata do Van Gogh. e aí o clima muda, dá uma angústia danada estar ali testemunhando essa 'vida besta' mais besta que toda 'vida besta', porque de uma falsa ingenuidade, de uma ingenuidade não dirigida, ou inconsciente, que acaba sendo nada mais do que um abuso de passividade, e aquelas pessoas vão se assemelhando aos bois, vão mugindo como eles. há feixes de tragédia nesse bucolismo mudo.
muito difícil. um filme raro, nesse sentido, de desacomodar, desassossegar. eu dormi alguns pedacinhos, confesso (há um marasmo sonolento, e dormir é sempre um jeito de esquecer, ainda mais às 14hs da tarde, numa sala escura e fresquinha). noutros pedaços, eu me vi 'narrando' as cenas, 'fechando-as', concluindo-as, explicando para mim mesma. só ao final que as afirmações narrativas, a esmo, viraram perguntas. porque era simultâneo estar bem e estar mal, ali.
o cotidiano de plantar, colher, espalhar o feno, reunir o feno, comer, acordar, etc lembra-nos uma idade média suspensa em cada um, quando a obviedade repetitiva dos dias acorda em nós uma memória de que continuamos os mesmos (orgânicos, repetitivos, desacordados, inúteis, belos, belíssimos). vc perde a referência da utilidade dos gestos, porque há o problema da 'consciência'. (eles escancaram isso: enquanto um está espalhando o feno, o outro está reunindo-o de volta, circularmente, como a roda da fortuna). vc perde a referência da utilidade dos gestos, porque talvez não seja possível nos percebermos construindo 'alguma coisa'. e se percebêssemos, adiantaria? estamos, mesmo, construindo coisas? alguma coisa? edificamos algo sobre a brevidade morosa de nossa organicidade tão próxima da dos bois, da relva, da circularidade dos dias? essa nave louca, então, não é o nosso quintal? porque é que esses homens e mulheres aí na tela seriam mais idiotas do que nós? ou ainda, mais intimamente: em que mesmo somos diferentes? não localizo. nenhuma voz acalma a dúvida. eles não parecem infantilmente livres dentro dessa passividade? não sei. quem é que é livre, afinal?
não escutamos nada dessas pessoas que são mais pessoas que personagens. personagens somos nós, que testemunhamos isso tudo e depois tomamos sorvete. não sei.
o filme certamente mereceria um poema.
o filme certamente merecerá um poema.
Comedores de batata. Van Gogh. 1885 (Museu Van Gogh - Amsterdã)
Comedores de batata. Van Gogh. 1885 (Museu Van Gogh - Amsterdã)
20121019
20121017
julia de carvalho hansen, o túnel e o acordeom
li no sítio, com a Tuca ao lado, no chão, nós duas
luz sem luz, na tela mesmo, do computador
vontade de imprimir tudo (sempre vem), e espalhar pelo chão e ir catando percursos (recheios)
como uma lontra subterrânea, esse animal pequeno que eu via ali
e era uma pessoa pequenina ou um buracão tão grande ?
muitas vezes um passarinho ou um peixe que nada na terra
um peixe que nada na terra
um peixe
que nada na terra
que nada
na terra
me emocinou. a julia me emociona. e copiei:
"estou tão insegura. Como se não conhecesse o leite. E outras coisas vitais". (julia)
ah
depois mais digo...
por hora
resta aqui
(vem?)
(vem fundo?)
(comigo?)
com ela
aqui: http://issuu.com/juliahansen/docs/otuneleoacordeom
O TÚNEL E O ACORDEOM
Fundação Porto | Dez 2010
20121011
revista CRETA # 1 ___________ ! revistacreta.com
chegou nasceu uau brotou: a revista CRETA, que a Ana Pands (aquela mujer-peixe-pássaro-mutante-etc) que assina também o 'júpiter, saturno', inventou
todos nós enfiamos a cabeça no chão da cidade e ficamos assim de cabeça para baixo
olhando os automóveis flutuantes
e a selvageria de um desejo de rio
respirando reversivelmente a cidade
venha ver:
deixei lá, poema e carta,
nas páginas 68 - 69
sim, 68 - 69
e também página
70
eu já sei o que vou fazer: arrumar papel lustroso bem bonito bem cruelmente bonito
e vou imprimir a revista inteira
porque eu sou ainda daquela hora de pôr as mãos
com caneta em riste e punho solto eu quero
pôr as mãos
nisso tudo
ô boniteza essa revista. coisa que a cidade (m)ama.
gracias, ó ana pands. gracias. e convida-me à próxima
viagem
a Creta
agora, abaixo: o texto de apresentação de ana, e o link da revista, aqui e acolá:
-------------------------------------------
“O que estamos fazendo?” é a pergunta central do livro “A Condição Humana”, de Hannah Arendt, que estou lendo e relendo desde 2010 (Editora Forense Universitária, tradução de Roberto Raposo). No prefácio, ela diz:
“(…) tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. (…) O que proponho nas páginas que se seguem é uma reconsideração da condição humana à luz de nossas mais novas experiências e nossos temores mais recentes. É óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de ‘verdades’ que se tornaram triviais e vazias – parece ser uma das principais características de nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.”
A partir daí, a filósofa analisa três condições humanas fundamentais e as atividades relacionadas a elas. A primeira é a própria vida, ou seja, o fato de, ao que tudo indica, estarmos vivos, e a atividade relacionada à vida é chamada por Hannah de LABOR, ou seja, a reunião de nossos esforços pela manutenção do ciclo vital – se alimentar, descansar. Somos 7 bilhões de pessoas cuidando como podemos de nossos ciclos vitais no mundo, e partilhamos esta condição com os animais, plantas, fungos e todos os seres vivos. A segunda condição é essencialmente humana, diz respeito à artificialidade de nossa existência: se, por um lado, tanto um botão de girassol, um filhote de arara azul e uma menina chamada Tereza partilham as necessidades de água, alimento, ar, luz e sombra para se manterem vivos, apenas Tereza precisará de instruções para ingressar num mundo artificial e simbólico, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural, obra da criação e do trabalho dos homens. Esta condição é chamada por Hannah de mundanidade, e a atividade relacionada a ela é o TRABALHO. Trata-se do ato de retirar da natureza a pedra, o barro, os eucaliptos, as mandrágoras, os cristais, o silício e transformá-los em pontes, remédios, livros, ferramentas, computadores, guitarras, obras de arte. Este mundo em que vivemos é público, comum, compartilhado e transcende nossas vidas individuais: já estava aí quando chegamos e vai sobreviver à nossa morte (na medida em que cuidarmos dele e impedirmos que uma mesa, uma catedral gótica, o MASP, o Beijo de Rodin e o Dom Quixote voltem a ser apenas pedra, madeira, mármore e celulose). Tereza precisa ser educada para ingressar nesse mundo artificial, precisa aprender a usar a linguagem, um martelo, um computador. A terceira condição humana fundamental é a da pluralidade: “o fato de que homens, e não o Homem, vivem na terra e habitam o mundo”. Vivemos no plural, e a atividade relacionada a essa condição é chamada por Hannah de AÇÃO. É esta a condição de toda a vida política, é ela que faz a história. Somos “todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir”. Quando um homem se arrisca, vai a público e toma a palavra, está agindo e mostrando quem é, na singularidade de sua existência. Assim, por meio da ação e do discurso, este homem pode fazer história, alterar o estado das coisas – e vamos nos lembrar dele.
Não pretendo aqui comentar longamente a obra de Hannah Arendt (embora ainda queira fazer isso algum dia), mas esta breve introdução serve para salpicar algumas das reflexões que estão por trás da criação desta revista. Quando trabalhamos apenas para manter o ciclo vital (pagar aluguel), não estamos confundindo LABOR e TRABALHO? Se tomamos a palavra para dizer quem somos apenas entre nossos iguais, “na internet”, não se trata de uma absurda diminuição de nossas capacidades de AÇÃO? E quanto a conhecer mais a fundo nossa própria história, entender por que as coisas ficaram como estão, tanto as desigualdades quanto as obras de brilhantes talentos? Às vezes, no ônibus cheio, respirando o mesmo ar, num corredor de passagem que vai de um ambiente individual a outro ambiente individual, não dá vontade de saber quem são essas pessoas, como se chamam seus tios, onde passaram a infância, como estão aplicando suas forças e inteligência…? E conversando sobre isso com amigos, a discussão cresceu. Então, a ideia inicial da revista era a de unir essas reflexões flutuantes, e ver no que podia dar.
Surgiram memórias, projetos, dúvidas. Guinchos de dinossauros e bicicletas montadas de restos de outras bicicletas. Receitas de pasta de beringela, retirantes, angústia, rodízio, proposta de limitação da vida útil das buzinas. Vontade de nadar e voar, fitas K7, esconderijos, fotos, luz, nuvens, sexo bêbado, convites para um fim de semana no Guarujá. Física estática, poemas e gambiarras. Um estudo sobre a evolução do carro popular, uma ode ao ato de andar a pé. Oráculos computadorizados, famílias, coturnos. Pessoas discutindo o que fazem, sabem e experimentam. Diante de tamanha diversidade, a revista foi organizada nas seguintes partes:
parte 1, mãos coração & olhos:ou mãos + coração = ação (projetos, ideias) e mãos + coração = contemplação (olhar elétrons, olhar a luz, olhar pra trás)
parte 2, pés (limpos & sujos):
o trânsito, os carros, andar a pé, voar
o trânsito, os carros, andar a pé, voar
parte 3, estômago, tripas & saco:
crítica, palavrão, receita de pasta de beringela e erotismo
crítica, palavrão, receita de pasta de beringela e erotismo
parte 4, cabeça, sobrancelhas & garganta:teses, memórias, narrativas, especulação
parte 5, pulmão
respirar, tocar trompete, viver
respirar, tocar trompete, viver
Seja bem-vindo e leia a revista.
O índice de todos os colaboradores com respectivos links para seus belos trabalhos estáaqui.
O índice de todos os colaboradores com respectivos links para seus belos trabalhos estáaqui.
Beijos,
Ana Pands
Ana Pands
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20121010
astrologia e literatura: nas órbitas de Pessoa
Começo esta fala dizendo
da afeição que tenho pelo assunto, em todos os seus aspectos. Durante o tempo
em que venho estudando e lendo temas da astrologia
cada vez mais fico encantada com a riqueza dessa linguagem antiquíssima do homem. Este meu trajeto de estudo foi
sempre combinado e entrecortado por diversos outros, como, com mais afinco,
História e Literatura. Daí, talvez, eu ter sempre gostado de ler a astrologia,
sobretudo, como uma linguagem. A
imagem de uma via láctea visível na
noite com seu alfabeto de estrelas me deixava, e deixa, propensa à poesia,
propensa às viagens mais densas do imaginário, diante de um obscuro papel em
branco, que é o céu, ilimitado. Desde que ficamos em pé, miramos estrelas. E
nosso primeiro poema, numa pedra, deve ter sido o sinal de um sol, um corpo da
lua, um laivo de marcos cintilantes, perspectivados em nosso olho, em nossa dimensão, naquilo que
chamamos ‘o real’. Foi olhando o céu que começamos a escrever, e escrevendo o
céu nós o inventamos, assim como, talvez, tenhamos percebido que nós também
somos, como o céu, matéria ardente de nossa própria invenção. O céu, esse
imenso convite à navegação, me pareceu, desde pequena, como uma língua secreta,
nem estrangeira nem legível, mas prenhe de signos e sinais das coisas que
ultrapassam tempo, espaço, compreensão. As estrelas formavam frases na língua
que eu inventava para elas, antes mesmo de descobrir os outros versos que
tantas pessoas já lhes haviam dedicado. Nomes, desenhos, rotas: Perseu,
Cruzeiro do Sul, o califado das Plêiades, a suntuosa calda do escorpião, os
vasos despejando água, rosas e leite e mel ao redor de abelhas, numerais de um
tempo esquecido... o céu se mostrava um mapa de potentes desvendamentos, que,
para além do visível, a astrologia nomeou e lhe deu uma história, uma
linguagem. Aberta, errante.
Não me interessa, portanto, em relação à astrologia, pensar em termos de crenças, fidelidades, dogmas, ortodoxias. O que me fascina nisso tudo é sua história milenar e contínua, tão viva para os babilônios quanto para nós, linguagem que se estica e transforma, linguagem-polvo que muito se aproxima da arte, com seu desejo de interrogação das coisas e seu sonho de descoberta das ‘correspondências’ entre tudo. Não pede exatidão: pede lirismo, a astrologia. Seu leque de abordagens pode ir de uma exímia matemática às narrativas dos grandes mitos das mais diversas culturas. É o seio da linguagem humana, nosso primeiro murmúrio, nosso primeiro espelho móvel. E, como toda linguagem, é arbitrária. E, como toda linguagem, carrega em si o magma da busca, busca que nos leva a nomear as coisas e a esquecer-lhes o nome, e assim, renomeando-as novamente, numa troca constante com a vida e com o vivo, numa relação simbólica com a existência. A astrologia que eu amo, eu compreendo como um sistema de sinais com que dizemos o nosso nome e o que há de oculto nele e em nós.
Não me interessa, portanto, em relação à astrologia, pensar em termos de crenças, fidelidades, dogmas, ortodoxias. O que me fascina nisso tudo é sua história milenar e contínua, tão viva para os babilônios quanto para nós, linguagem que se estica e transforma, linguagem-polvo que muito se aproxima da arte, com seu desejo de interrogação das coisas e seu sonho de descoberta das ‘correspondências’ entre tudo. Não pede exatidão: pede lirismo, a astrologia. Seu leque de abordagens pode ir de uma exímia matemática às narrativas dos grandes mitos das mais diversas culturas. É o seio da linguagem humana, nosso primeiro murmúrio, nosso primeiro espelho móvel. E, como toda linguagem, é arbitrária. E, como toda linguagem, carrega em si o magma da busca, busca que nos leva a nomear as coisas e a esquecer-lhes o nome, e assim, renomeando-as novamente, numa troca constante com a vida e com o vivo, numa relação simbólica com a existência. A astrologia que eu amo, eu compreendo como um sistema de sinais com que dizemos o nosso nome e o que há de oculto nele e em nós.
Essa plasticidade da
linguagem astrológica muito se aproxima e se enlaça daquilo que entendo como
ARTE, que num amplo sentido, propõe-se a dar e fazer-se imagem transformada e
em transformação de nosso curso, de nossa precariedade, de nossos registros.
Essa grande interrogação do infinito: o que há para além e aquém daquilo que
mediamos e nomeamos? Como compreender o nosso vínculo e a nossa diferença com
as forças que nos rodeiam? Como entender a nós mesmos nesse nosso espelho
íntimo, que é a linguagem? Até onde eu me digo ou as coisas me dizem? O que é
que o céu me diz? Toda essa inquirição existencial,
digamos, que está no bojo de cada primeiro verso e de todo último poema, talvez
queira que, entre o começo e o fim da página em branco com que passamos a vida,
uma breve imagem maravilhosa possa se dar, devolvendo-nos para além do nosso
terror e suspeita cotidianos, uma sensação de alargamento do real. Dar boca às estrelas, colocá-las a cantar,
como tem feito o homem desde que se sabe um ser
de linguagem, é um exercício de considerar.
Com + siderar, ou seja, rodar junto,
existir em rodao na matéria movente que somos e que é, bater ritmado o corpo, ter
um pulso-coração. É por isso que aprendemos que a ausência do ritmo pode ser um desastre. Estar atento ao céu, ao nosso
céu, aquele que inventamos e que nos estimula a rodar, aquele que nos desafia e
empreende em nós grandes jornadas, é uma maneira de nos ‘considerarmos’
humanos, comuns, siderados.
O desejo de conhecer
possíveis correspondências entre nós e o mais que há em nós nos fez seres de
linguagem. E quantas línguas podemos falar? E quantas línguas haverá? Cada
linguagem humana carrega em si uma demanda de beleza, entendimento,
consideração. Porque eclipsar o conhecimento que cada uma tem? Por que
estigmatizar qualquer linguagem humana? Lendo o céu e seu tapete alado,
inventariamos os sonhos que temos desde antes de podermos falar, fazemos do céu
um Grande Livro ou Grande Poema onde cada um constelará um rosto, um retrato,
um desejo, um pedido, uma história...
Fernando Pessoa, antes e
depois do imenso Gênio que é, foi, sobretudo um homem que buscou ultrapassar o desastre da ortodoxia. Seu projeto de
obra, que culmina no ponto áureo da heteronímia,
foi um projeto contra qualquer preconceito quanto às diferentes formas de
conhecimento, suas diferentes linguagens. Por isso, sempre que se dizia ou se
afirmava algo, Pessoa, em seguida, no mesmo verso, se contradizia e se negava.
Seu nome é um imenso buraco negro, uma grande Máscara, que abrigou uma
constelação de escritas e gêneros literários, um povoado de seres absolutamente
estranhos e diferentes entre si. Tudo está ali, nessa experiência escrita que foi Fernando Pessoa.
Ele é, portanto, um
exemplo de um criador amoral¸ extremamente
ético, que sabe que toda linguagem é
uma compota de sonhos e de vazios, de ilusões e de fabricação do real. Pessoa
vai investir seu trabalho, portanto, nesse tema que é um dos mais densos e
inquietantes da arte que é o da metalinguagem,
a investigação dos limites e dos reflexos das linguagens que usamos. Ele sabia que para ser outros precisava
sê-los em linguagem, em linguagens, digamos.
Experimentou o cristianismo, o gnosticismo, a cabala, os ensinamentos
templários, o rosacrucianismo, a dúvida, a ironia, o ceticismo, a monarquia, o
republicanismo, a sexualidade, a assexualidade, o tédio, a euforia, o
patriotismo, o deboche com a pátria, a solidão, a amizade, os mitos, os astros,
os folhetins, as palavras-cruzadas: hoje sabemos que Pessoa teve mais de 70
heterônimos. Com 7 anos, veio um tal de Chevalier
des Pas, com quem dialogava. Depois, Alexander Search, um poeta de língua
inglesa afeiçoado aos cultos satanistas do ocultismo do fim do século XIX;
ainda depois, um tal Vicente Guedes, tradutor; um tal Dr. Gaudêncio Nabos,
humorista e jornalista; um outro chamado
Barão de Teive; um Joaquim Moura Costa, poeta satírico; ainda, o nosso Bernardo
Soares, do Livro do Desassossego;
António Mora, filósofo que teorizou o neopaganismo; e, além desses e outros, a
tríade fundamental de sua poética: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de
Campos. E ainda, é claro, o seu ‘heterônimo astrólogo’, chamado Raphael
Baldaya.
Na imagem disposta acima,
vemos o mapa do poeta feito por si próprio e uma nota tirada do espólio de
Pessoa (Biblioteca Nacional de Lisboa) em que ele se apresenta como R. Baldaya,
informando o tipo de trabalho que faz como astrólogo e ainda coloca os preços
das consultas! Provavelmente essa nota teria sido feita para ser veiculada em
anúncios de jornais. É curioso notar que Pessoa a escreve em inglês, e como diversos dos mapas e
estudos astrológicos que fará também assim serão, mesclas de inglês com
português, vemos mais uma mostra dessa vontade
de muitas línguas e domínio delas,
como se ele mesmo fosse um grande orquestrador desse ‘drama em gente’, dessas
pessoas e línguas que o habitam.
O interesse de Pessoa
pela astrologia parece vir desde cedo, mas as primeiras notas que encontramos
no seu espólio vem de 1908 – 1909, quando ele contava com 20 anos. Além de,
portanto, empregado em firmas comerciais (nas quais ele cumpria a função de
redator de cartas comerciais ao estrangeiro), Pessoa também exerceu o ofício de astrólogo. Há, em sua arca,
mais de 470 fragmentos dedicados à astrologia: de teorias astrológicas a
diversos mapas astrais que ele levantou, além de correspondências com
estudiosos do assunto de outros países, como por exemplo, o
mago-místico-exótico Aleister Crowley, que foi até Lisboa conhecer aquele
sujeito que havia lhe dado, por cartas, sugestões a respeito de seu mapa. Dos mapas levantados por Pessoa, constam os
de D. Sebastião, Shakespeare, Milton, Goethe, Napoleão, Baudelaire, Mussolini,
Salazar, entre outros.
Há uma ocasião curiosa e
que convém aqui narrar, para que fique visível o lugar que a astrologia ocupou no dia-a-dia de
Pessoa, ao longo de toda sua vida, e com especial ênfase nos anos 1909 – 1915.
Em 24 de julho de 1915, Pessoa escreve uma carta ao editor do livro de Alan Leo
“Mil e uma natividades notáveis”,
pedindo-lhe que lhe envie o mapa de Francis Bacon, o filósofo, escritor e ensaísta do
séc. XVI. Pessoa, nesta carta, se apresenta como ‘estudante de astrologia’ e
diz que, lendo o livro de Alan Leo, havia ficado curioso em relação às notas sobre o mapa de
Francis Bacon, pelas seguintes razões: (diz Pessoa) “Meu principal interesse [no mapa de Bacon] está no desejo de ver o
que, no horóscopo dele, registra sua peculiar característica de ser capaz de
escrever em diferentes estilos e sua habilidade para ‘transpersonalização’
(...). Eu também possuo estas características. Sou escritor, e sempre achei
impossível escrever com a minha própria personalidade. Sempre me peguei, conscientemente
ou não, assumindo o caráter de alguém que não existe, sob cuja intervenção
imaginária me ponho a escrever” (BNP/E3, 114-60).
Ora, Pessoa é um
geminiano, com ascendente em escorpião e lua em leão. Desde o princípio do
projeto ‘consciente’ e ‘autoral’ da heteronímia, que envolve portanto, a
criação estética de Caeiro, Reis e Campos, ele esteve buscando-a, também, na
astrologia. Astrologia e literatura são engrenagens amantes que, na obra de
Pessoa, levam uma à outra, e irradiam um verbo luminoso. É fantástico como ele pôs em prática essa despersonalização
geminiana, símbolo de uma mente ágil e inquieta que quer conhecer tudo de todas as maneiras. A qualidade aérea de gêmeos,
somada à densidade líquida do ascendente em escorpião, fez com que esse desenho
astral de si mesmo se disseminasse num dos projetos estéticos mais radicais e
ambiciosos (como convém a uma lua leonina) do século XX. Pessoa, somando,
portanto, Gêmeos, Escorpião e Leão, conforme a sua compreensão destes signos,
será o investigador das grandes descidas
a mando de uma Grande Obra: a
curiosidade mental envolvendo o mistério do nascer e do morrer, buscando uma
maneira de transformar-se em figura capital, ou Supra-Camões, de seu tempo.
Esta faceta será mais visível naqueles poemas assinados por ele-mesmo, ou seja,
Fernando Pessoa ortônimo, como por exemplo este:
Gêmeos, regido por
mercúrio, fala-nos desse mensageiro, esse emissário, esse sujeito que é apenas voz onde
a mensagem (de alguém desconhecido) se
processa... o autor, o poeta, é aqui entendido como esse mensageiro, que
cumpre “informes instruções de além”,
ou seja, cumpre ordens que desconhece, está a serviço do desconhecido. Não é,
aqui, possível uma unidade de compreensão, uma compreensão total deste ser, já
que ele se manifesta enquanto tradutor
de uma outra voz, que se desconhece... Rei, Deus, alguém? Não se sabe... Não se
sabe mesmo se “existe o Rei que me
mandou”. Tudo é dúvida e mistério, uma linda tradução em poema de uma abordagem de sua própria carta natal e dos sinais
milenares que a astrologia nos oferece como linguagem
criativa. No poema, e em toda a obra do Fernando Pessoa ele-mesmo (o
ortônimo) transparece-nos esta atmosfera de névoa e indefinição, em que o sujeito
se busca e se erra, sentindo as
coisas atravessarem-no. Essa bruma de um aquém ou além vida, à qual a
sensibilidade escorpiana está sempre ligada, encontrará expressão na dúvida e no paradoxo que experimenta o sol geminiano.
Outro exemplo dessa navegação poética que Pessoa realizou a partir de seu
próprio mapa está neste outro poema do qual leremos apenas um excerto:
Só com o primeiro verso
já podemos vislumbrar um exercício poético fantástico de concisão com seu mapa
astral: “Meu pensamento é um rio
subterrâneo”... Se gêmeos é o signo do pensamento múltiplo, que não cessa
de voar pra cantos diversos, um pensamento incessantemente outro, escorpião nos
fala dessa atmosfera úmida e fria dos rios subterrâneos, os pântanos, as águas
quase paradas e quietas que nos expõem a nossa própria escuridão. É dentro
desta paisagem, que podemos dizer que, sim, vem sim de um imaginário
astrológico, que Pessoa anunciará uma estética e uma Obra.
E como ele é muitos, é
vário, também seus heterônimos terão seus mapas astrais. Depois de existirem
como poema, existirão como desenho do céu. Vê-se novamente: o duplo motor
possível no elo entre a linguagem poética e a linguagem astral. Vejamos o que
dirá Pessoa a respeito da feitura desses mapas, dos heterônimos, e como ele nos
diz da importância de Caeiro a partir de seu mapa natal, Caeiro que será
considerado seu mestre e mestre de Ricardo Reis e Álvaro de Campos:
Quem é que perguntará se
Caeiro deveras existiu? Cabe essa pergunta? Pessoa aqui parece rir ou motejar
de quem espera da astrologia mais do que o imenso motivo de dar alma à alma.
Ele entendeu em si essa envergadura
estética e ética que se chamou Alberto Caeiro, e esse não só lhe ensinou
como ensinou aos outros que nele habitavam. Como não ver nisso tudo uma amostra
visível e palpável de uma constelação? Pessoa, no entrelaçar de astros e
literatura, além de diversos outros assuntos e temas e formas de conhecimento,
nos legou um exemplo genial de que tudo
se soma, tudo se toca, tudo é válido como maneira de compreensão da existência,
desde que nenhuma das formas e forças se excluam, desde que tudo conviva
tenso no drama paradoxal do maravilhamento e da dúvida. Pessoa constelou
diversos saberes e foi o que é, nosso maior poeta.
Caeiro será mestre porque
está relacionado ao fogo e ao número 1, número de Áries ou do Carneiro
(Ca-rn-eiro), com o ascendente também ígneo posto em Leão. O signo de Áries, em
linhas gerais, é aquele relacionado à visão pura, à visão da infância, que sabe
se encantar com o exatamente real, sem se inquietar com o que possa haver
dentro, através, ou fora do visível. O campo do real e da realeza de Caeiro
será o campo do visível. E ele será mestre porque deixará poemas que nos ensinam
a ver, a ter o olhar nítido como um
girassol, direto, claro, transparente.
Essa inocência sonhada, quiçá, seja aquela que arrebanhará todo amante
da linguagem, esse desejo de que o visível e o dito, a coisa e seu nome se
façam um só, óbvio, bom e indubitável real. Em Áries é curta a distância entre
visão, pensamento e ação: há aqui uma ‘espontaneidade’
quiçá perdida, essa saudade de uma via simples. Dentro de um Pessoa, aquele que
visitamos brevemente, guiado por uma voz misteriosa e inefável, que o enche de
bruma e névoa, há este desejo solar de uma infância prolongada, chamada Alberto
Caeiro. E tudo isso feito do abraço de mapas e palavras, céus e símbolos, linguagem
e linguagem: as miríades de nossa voz múltipla cortejando o mundo e a matéria
do vivo em que vivemos, respiramos e deixamos um verso.
-------------------------------
obs. este texto foi lido no PLANETÁRIO DE SÃO PAULO (Ibirapuera) na noite de 2 de outubro de 2012. Fez parte da programação paralela da 30a Bienal de São Paulo, e eu lá cheguei pelo convite do meu querido Fernando Marques Penteado, que está lá, radiante, com sua casa têxtil, com seu mapa celeste entretecido, bem ao lado do Bispo do Rosário, num lindo-enlace, que é como deve ser. Lá na Bienal. Vai ver, te digo. Agradeço ainda ao Walmir Cardoso e João Paulo Delicato, astrônomos atentos, que nos mostraram que a constelação de escorpião é também uma enorme ema ou ainda uma cascavel e ainda tanto mais. De volta aqui, ao texto, te digo também: como é um texto que foi feito para ser lido, guarda essa marcação oral. E, sim, além de falante é um texto brevíssimo, coube a mim uns 20 minutos mais ou menos, e 20 minutos mais ou menos é um sopro de areia dentro dessa arca monumental chamada Fernando Pessoa. Peço perdão por isso. Caiero é deveras tão mais complexo que um girassol. Tão complexo quanto. O que não coube na voz nesta noite. De todo modo, o que mais do que querer falar e falar sobre Pessoa e astrologia? A noite foi linda. O planetário povoado. O céu aberto. Projetar mapas e poemas na noite densa da abobadada cúpula dos olhos, isso não se esquece. Agradeço-te Fernando. Por essa noite, e essa amizade que chega. Deixei lá (e agora fica aqui) apenas a carmina, o encanto, de enunciá-lo: C A E E E E I R O... E deixo a deixa de que tudo segue no arado. Astrologia + Pessoa são paixões arcaicas, suficientemente para toda a vida, até o fim. Assim assado, quem quiser seguir nesse papo comigo, estou chamando, de mãos soltas, o encontro. Sim.
20121001
Pessoa e seu longo poema astral
amanhã
às 20hs
estarei no PLANETÁRIO DE SP / Ibirapuera (!)
descortinando fio de estrelas
ao lado do mago-poeta
Fernando Pessoa
e de amigos mais
estou em estado de febril graça
com isso que será prazer e vida
e deixo-me nesta noite
a contemplar o painel (abaixo) de Lima de Freitas
que lá vi, na estação do Rossio...
soberba leitura de Pessoa
e seu 'caminho da serpente'
que foi também um gesto de
abrigar
tudo e todos
nesta morada breve
que fita o céu
de um íntimo
e movente
abismo
salve o 2 de outubro de 2012!
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CONVITE
02 Out 20h00Parque do Ibirapuera - PLANETÁRIO
Diálogo performático sobre constelações entre o artista f.marquespentado, os astrônomos João Paulo Delicato e Walmir Cardoso e a poeta Roberta Ferraz
Confira o que os convidados pretendem explorar no evento:
João Paulo Delicato e Walmir Cardoso
“Em determinadas tradições se diz que o céu influencia as pessoas, mas acreditamos que ocorre justo o contrário: o céu é influenciado por nossa maneira de enxergar o mundo e de concebê-lo. Nós atribuímos os significados para as imagens que construímos socialmente, coletivamente. Seria, no mínimo, exercício de presunção imaginar que o significado concedido por nós a essas imagens são universais. A experiência e o contato com as mais diversas culturas do planeta mostram que a contemplação do Céu é uma experiência local e cheia de significados diferentes para quem observa. Resta-nos, portanto, admitir que olhar o céu a partir de uma única matriz cultural é um ato de empobrecimento da experiência do diverso, tão cara e importante como exercício da diversidade cultural que a paisagem celeste apresenta. Esse é o grande motivador dessa experiência sensorial e científica proposta pelo Planetário de São Paulo e pela Fundação Bienal.”
f.marquespenteado
“Anotações biográficas é a estratégia que vou me ater para comentar sobre algumas passagens que cientistas que me são caros exploraram e, com isso só fizeram por alargar em minha imaginação o entender, o pressentir o Cosmos. Entre outras conexões, uma reflexão de Rudolf Steiner e um manifesto de Konrad Lorenz serão estrelas fulgurantes desta fala animada por imagens. Constelações, a abóboda celeste, o refletir por entre os 360% que constituem a pluralidade que é o livre pensar são algumas das entradas que compõe esse encontro, essa noite afável, inconclusiva, que espera por ti. Eu divido esse trajeto com a fala da querida Roberta Ferraz, ela que apresenta um painel sobre a astrologia por entre a figura de Fernando Pessoa e a sua resplandecente criação, a que ilumina caminhos, incansável a cada leitura. Desde já boas noites e um até lá.”
roberta ferraz
Confira o que os convidados pretendem explorar no evento:
João Paulo Delicato e Walmir Cardoso
“Em determinadas tradições se diz que o céu influencia as pessoas, mas acreditamos que ocorre justo o contrário: o céu é influenciado por nossa maneira de enxergar o mundo e de concebê-lo. Nós atribuímos os significados para as imagens que construímos socialmente, coletivamente. Seria, no mínimo, exercício de presunção imaginar que o significado concedido por nós a essas imagens são universais. A experiência e o contato com as mais diversas culturas do planeta mostram que a contemplação do Céu é uma experiência local e cheia de significados diferentes para quem observa. Resta-nos, portanto, admitir que olhar o céu a partir de uma única matriz cultural é um ato de empobrecimento da experiência do diverso, tão cara e importante como exercício da diversidade cultural que a paisagem celeste apresenta. Esse é o grande motivador dessa experiência sensorial e científica proposta pelo Planetário de São Paulo e pela Fundação Bienal.”
f.marquespenteado
“Anotações biográficas é a estratégia que vou me ater para comentar sobre algumas passagens que cientistas que me são caros exploraram e, com isso só fizeram por alargar em minha imaginação o entender, o pressentir o Cosmos. Entre outras conexões, uma reflexão de Rudolf Steiner e um manifesto de Konrad Lorenz serão estrelas fulgurantes desta fala animada por imagens. Constelações, a abóboda celeste, o refletir por entre os 360% que constituem a pluralidade que é o livre pensar são algumas das entradas que compõe esse encontro, essa noite afável, inconclusiva, que espera por ti. Eu divido esse trajeto com a fala da querida Roberta Ferraz, ela que apresenta um painel sobre a astrologia por entre a figura de Fernando Pessoa e a sua resplandecente criação, a que ilumina caminhos, incansável a cada leitura. Desde já boas noites e um até lá.”
roberta ferraz
Nas órbitas de Pessoa - por Roberta Ferraz
Astrologia e literatura têm e tiveram, ao longo de suas vidas, fortes laços amorosos. A contemplação ativa do céu, abrindo nele um lençol metamórfico de histórias, as aproxima, as conjuga. Um dos poetas que sempre estiveram próximo desta atenta arte de observação dos astros foi Fernando Pessoa, que construiu em vida um imenso projeto de experimentação poética, no qual orbitavam elementos e interesses dos mais díspares, sendo um deles a astrologia. Muito mais do que compreensão advinhatória do destino humano, a astrologia muitas vezes pode ser alma e motor de suas criações. Não por acaso, o poeta deixou feitos, de próprio punho, os mapas astrais de seus heterônimos, dando àquelas vidas poéticas um registro astral que os aproximassem do humano, uma data de nascimento, ainda que fictícia.
Passearemos, nesta noite, por uma série de desenhos de mapas astrais, feitos pelo próprio Pessoa, e os conjugaremos com a leitura de trechos de seus poemas. Veremos então a formação de constelações desdobráveis, feitas da soma, sobreposição e imbricação destas duas linguagens: a poética e a astrológica. Arsenal de tempos, ritmos, qualidades, adjetivos, substâncias, as histórias do céu, contadas há milênios pela astrologia, se tornam, nas mãos do poeta, cantos compostos, jogo coral, gente em cena, mito renovado: poema.
Esse evento conta com a parceria cultural do Planetário de São Paulo - Ibirapuera.
Lotação: 280 pessoas
Distribuição de senhas no local 1h antes do evento
Entrada gratuita.
Informações: +55 11 5576.7600
contato@bienal.org.br
Astrologia e literatura têm e tiveram, ao longo de suas vidas, fortes laços amorosos. A contemplação ativa do céu, abrindo nele um lençol metamórfico de histórias, as aproxima, as conjuga. Um dos poetas que sempre estiveram próximo desta atenta arte de observação dos astros foi Fernando Pessoa, que construiu em vida um imenso projeto de experimentação poética, no qual orbitavam elementos e interesses dos mais díspares, sendo um deles a astrologia. Muito mais do que compreensão advinhatória do destino humano, a astrologia muitas vezes pode ser alma e motor de suas criações. Não por acaso, o poeta deixou feitos, de próprio punho, os mapas astrais de seus heterônimos, dando àquelas vidas poéticas um registro astral que os aproximassem do humano, uma data de nascimento, ainda que fictícia.
Passearemos, nesta noite, por uma série de desenhos de mapas astrais, feitos pelo próprio Pessoa, e os conjugaremos com a leitura de trechos de seus poemas. Veremos então a formação de constelações desdobráveis, feitas da soma, sobreposição e imbricação destas duas linguagens: a poética e a astrológica. Arsenal de tempos, ritmos, qualidades, adjetivos, substâncias, as histórias do céu, contadas há milênios pela astrologia, se tornam, nas mãos do poeta, cantos compostos, jogo coral, gente em cena, mito renovado: poema.
Esse evento conta com a parceria cultural do Planetário de São Paulo - Ibirapuera.
Lotação: 280 pessoas
Distribuição de senhas no local 1h antes do evento
Entrada gratuita.
Informações: +55 11 5576.7600
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