20121011

revista CRETA # 1 ___________ ! revistacreta.com


chegou nasceu uau brotou: a revista CRETA, que a Ana Pands (aquela mujer-peixe-pássaro-mutante-etc) que assina também o 'júpiter, saturno', inventou

todos nós enfiamos a cabeça no chão da cidade e ficamos assim de cabeça para baixo
olhando os automóveis flutuantes
e a selvageria de um desejo de rio
respirando reversivelmente a cidade

venha ver:


deixei lá, poema e carta,
nas páginas 68 - 69
sim, 68 - 69
e também página
70

eu já sei o que vou fazer: arrumar papel lustroso bem bonito bem cruelmente bonito
e vou imprimir a revista inteira
porque eu sou ainda daquela hora de pôr as mãos
com caneta em riste e punho solto eu quero
pôr as mãos
nisso tudo

ô boniteza essa revista. coisa que a cidade (m)ama.
gracias, ó ana pands. gracias. e convida-me à próxima
viagem
a Creta



agora, abaixo: o texto de apresentação de ana, e o link da revista, aqui e acolá:

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“O que estamos fazendo?” é a pergunta central do livro “A Condição Humana”, de Hannah Arendt, que estou lendo e relendo desde 2010 (Editora Forense Universitária, tradução de Roberto Raposo). No prefácio, ela diz:
“(…) tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. (…) O que proponho nas páginas que se seguem é uma reconsideração da condição humana à luz de nossas mais novas experiências e nossos temores mais recentes. É óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de ‘verdades’ que se tornaram triviais e vazias – parece ser uma das principais características de nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.”
A partir daí, a filósofa analisa três condições humanas fundamentais e as atividades relacionadas a elas. A primeira é a própria vida, ou seja, o fato de, ao que tudo indica, estarmos vivos, e a atividade relacionada à vida é chamada por Hannah de LABOR, ou seja, a reunião de nossos esforços pela manutenção do ciclo vital – se alimentar, descansar. Somos 7 bilhões de pessoas cuidando como podemos de nossos ciclos vitais no mundo, e partilhamos esta condição com os animais, plantas, fungos e todos os seres vivos. A segunda condição é essencialmente humana, diz respeito à artificialidade de nossa existência: se, por um lado, tanto um botão de girassol, um filhote de arara azul e uma menina chamada Tereza partilham as necessidades de água, alimento, ar, luz e sombra para se manterem vivos, apenas Tereza precisará de instruções para ingressar num mundo artificial e simbólico, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural, obra da criação e do trabalho dos homens. Esta condição é chamada por Hannah de mundanidade, e a atividade relacionada a ela é o TRABALHO. Trata-se do ato de retirar da natureza a pedra, o barro, os eucaliptos, as mandrágoras, os cristais, o silício e transformá-los em pontes, remédios, livros, ferramentas, computadores, guitarras, obras de arte. Este mundo em que vivemos é público, comum, compartilhado e transcende nossas vidas individuais: já estava aí quando chegamos e vai sobreviver à nossa morte (na medida em que cuidarmos dele e impedirmos que uma mesa, uma catedral gótica, o MASP, o Beijo de Rodin e o Dom Quixote voltem a ser apenas pedra, madeira, mármore e celulose). Tereza precisa ser educada para ingressar nesse mundo artificial, precisa aprender a usar a linguagem, um martelo, um computador. A terceira condição humana fundamental é a da pluralidade: “o fato de que homens, e não o Homem, vivem na terra e habitam o mundo”. Vivemos no plural, e a atividade relacionada a essa condição é chamada por Hannah de AÇÃO. É esta a condição de toda a vida política, é ela que faz a história. Somos “todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir”. Quando um homem se arrisca, vai a público e toma a palavra, está agindo e mostrando quem é, na singularidade de sua existência. Assim, por meio da ação e do discurso, este homem pode fazer história, alterar o estado das coisas – e vamos nos lembrar dele.
Não pretendo aqui comentar longamente a obra de Hannah Arendt (embora ainda queira fazer isso algum dia), mas esta breve introdução serve para salpicar algumas das reflexões que estão por trás da criação desta revista. Quando trabalhamos apenas para manter o ciclo vital (pagar aluguel), não estamos confundindo LABOR e TRABALHO? Se tomamos a palavra para dizer quem somos apenas entre nossos iguais, “na internet”, não se trata de uma absurda diminuição de nossas capacidades de AÇÃO? E quanto a conhecer mais a fundo nossa própria história, entender por que as coisas ficaram como estão, tanto as desigualdades quanto as obras de brilhantes talentos? Às vezes, no ônibus cheio, respirando o mesmo ar, num corredor de passagem que vai de um ambiente individual a outro ambiente individual, não dá vontade de saber quem são essas pessoas, como se chamam seus tios, onde passaram a infância, como estão aplicando suas forças e inteligência…? E conversando sobre isso com amigos, a discussão cresceu. Então, a ideia inicial da revista era a de unir essas reflexões flutuantes, e ver no que podia dar.
Surgiram memórias, projetos, dúvidas. Guinchos de dinossauros e bicicletas montadas de restos de outras bicicletas. Receitas de pasta de beringela, retirantes, angústia, rodízio, proposta de limitação da vida útil das buzinas. Vontade de nadar e voar, fitas K7, esconderijos, fotos, luz, nuvens, sexo bêbado, convites para um fim de semana no Guarujá. Física estática, poemas e gambiarras. Um estudo sobre a evolução do carro popular, uma ode ao ato de andar a pé. Oráculos computadorizados, famílias, coturnos. Pessoas discutindo o que fazem, sabem e experimentam. Diante de tamanha diversidade, a revista foi organizada nas seguintes partes:
parte 1, mãos coração & olhos:ou mãos + coração = ação (projetos, ideias) e mãos + coração = contemplação (olhar elétrons, olhar a luz, olhar pra trás)
parte 2, pés (limpos & sujos):
o trânsito, os carros, andar a pé, voar
parte 3, estômago, tripas & saco:
crítica, palavrão, receita de pasta de beringela e erotismo
parte 4, cabeça, sobrancelhas & garganta:teses, memórias, narrativas, especulação
parte 5, pulmão
respirar, tocar trompete, viver
Seja bem-vindo e leia a revista.
O índice de todos os colaboradores com respectivos links para seus belos trabalhos estáaqui.
Beijos,
Ana Pands
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