estamos já com a chuva ao menos
como ela alguma hora paramos de cair
trago a acetona azul para retirar de
dentro das unhas os pedaços enjaulados
da noite anterior, te convido para vir
à rede deitar-se encaixada em mim de revés
e com os pés perto da boca
unhas bem polidas embora rude
a sola você passeia pelas bochechas enquanto abre
janelas até travar, tonta
temo pelos animais que se suicidam sem querer
e pelas crianças que pela necessidade do nada
teus pés muito brancos e finos na parte de cima
pensamos como seria se rasgássemos
essa parede de cal com um salto
azul Yves Klein mas você já sabe que blefo
está tão cinza como antigamente era
hora das mortes
cinematográficas e cinematográficos
enterros com sobretudo choro de rímel e chuva
o orifício do rosto da amante loira
como você, é um blefe e você se dissipa
cansada de brincadeirinhas comigo
está pela casa ainda, não aqui
já o movediço da janela não se altera
a queda é impalpável como coração de mãe
nunca suporíamos que demorasse
menos de um minuto o deslize
do livro até a quadra de futebol
cheia de sacos de lixo não há onde guardá-los
estamos todos devendo algo ao prédio
o livro então suas cartas de aniversário ao menos
se eu pudesse te escreveria uma carta
se eu saísse em viagem usando como pretexto
os papeis sobre a mesa de um café de cais
vendo se repito à letra todas as passagens de Casablanca
convincentemente sexy e azul com pombos e pães
dando em minha boca a palavra amortecida
amor, seria ao menos um espetáculo que não incomodaria ninguém
seria silencioso nem um pio deixo-te um postal
urrando assim legítima a existência de ter que escrever ao menos
isso, mas nem isso, não se tem
que escrever, isso se sabe nem tampouco se quer
escrever:
tua janela com biquíni mares do sul antológica pá de poemas
ninguém esqueceu um detalhe, apenas um detalhe
é ainda sobre São Paulo, muito longe da tua existência
e tão inútil como nunca
abríssemos mais um livro ou outra garrafa
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