20120711

casa do sol, dia 5


acordamos tarde
e diferente dos outros dias, fui para o jardim, logo cedo
no dia anterior, trocaram a minha cama, agora eu durmo na cama que foi de Hilda
a parte superior dela toda talhada em couro, me lembra uma sela de montaria
no entalhe, um sol de flor, abrindo línguas de luz, ramas e pontilhado de sementes
é a segunda noite que cavalgo aqui
um pouco de gripe continua, a sonolência dos remédios, o frio
a tarde foi quieta, sol filtrando os trabalhos pela inclinação da janela
é estranho escrever num formato novo, parar para pensar em dramaturgia
vou anotando, ciscando, e lendo ainda o Estar sendo. Ter sido.
o último livro de Hilda, em que a CASA DO SOL transpira presente demais por cada imagem:
o mobiliário, o posicionamento das poltronas, o arranjo de passos de um cômodo a outro, as demoras
o tempo que se tem de seguir quando se cruza o pátio, indo à cozinha
os livros da biblioteca, os nomes dos personagens, os cães, claro, os cães.
foi por acaso que retomei esta leitura da Hilda pelo fim.
Olga e Jura lembram-se das reuniões, aqui na casa, na época em que foi editado (pela Nankin)
Falamos de maternidade, Olga e eu...
No fim da tarde, Olga foi nadar. Escureceu. Comemos queijo, Jura preparou mais uma massa-delícia.
E eu estive na biblioteca de Hilda, desta vez com vagar, olhando título por título, um a um, por mais da metade das estantes. Há muito assunto nas bordas entre ciência e fé, bordas esotéricas da técnica mágica, o êxtase e dimensões espirituais, física quântica e geometrismos, há imagens e biografias de santas, santos, livros de anatomia e tudo ou muito tudo de Bataille, Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Beckett, Kafka. Estou anotando algos. E a mão escorrida pela pedra (as estantes são de pedra, as estantes principais), peguei num, que está comigo aqui, no quarto.

É ele:
CANTÁRIDAS e outros poemas fesceninos.
dos 3 autores: Paulo Vellozo, Jayme Santos Neves e Guilherme Santos Neves. SP: Editora Max Limonad Ltda, 1985.

Fescenino é sacanagem, e segundo os autores, vem da cidade italina de Fescênia e pode vir de fascinum, do latim, tanto significando proteção contra quebrantos, quanto 'haver um pênis nas festas em que os recitavam'. O livro está todo grifado pela Hilda, o sistema misterioso de seus grifos (há um sistema, percebe-se, mas ele é muuuuito estranho), com canetas vermelhas e rosas. Estou deliciando-me nestas cantáridas. Aprendendo coisas mui valorosas, como por exemplo, que deixar calar por baixo é, nos termos fesceninos, permitir a penetração, e assim se vai...

E o louco é que novamente fio, fenda, falésia se penetra aqui, no sumo dos dias, na feliz ocorrência dos acasos objetivos: Cantáridas é um livro assinado por 3 autores que se mesclam. Logo no início se lê:

"TODO TEXTO É COLETIVO. Foi só após a revolução russa de 1917 que o mundo abandonou a proposta romântica do gênio como ser especial e único e do individualismo passou a crer no esforço comum, no poder das massas. Cantáridas, de 1933, reflete isso no seu gosto pelo coletivo.  O livro não é apenas assinado por três pessoas. Alguns poemas são criações coletivas, escritos em conjunto, simultaneamente, a quatro ou a seis mãos. Tais produções em grupo, coisas inusitada naqueles tempos, são desmistificadores, pois, rompendo com as falsas aparências, concordam com o fato de que o texto literário não é obra individual, mas sim, por meio da noção de intertexto, um produto de toda a humanidade escritora". (p. 33)

 
Deixo aqui um poema de Catulo (84 - 54 a.C.), colhido da apresentação do Cantáridas, todo anotado como 'importante', segundo minhas compreensões (auxiliada por Jurandy) dos grifos portentosos de Hilda _______


"Por todos os deuses, juro que não sinto diferença
Entre o cheiro da boca de Emílio e o de seu cu.
A limpeza de uma equivale à limpeza do outro.
E na verdade seu cu é dos dois o mais limpo e delicado;
pelo menos não tem dentes; e sua boca os tem de palmo e meio,
Com gengivas que parecem de uma mula
Mijando em pleno verão.
Esse sujeito fode muitas mulheres e se acha elegante;
Por que não vai ajudar o asno a mover a roda do moinho
E quanto às mulheres que se dão a ele, que pensar senão
Que são dignas de lamber o cu de um carrasco doente"




[ps. o carregador da máquina fotográfica deve chegar hoje. até lá, só palavras...]

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